Baiano por trás de “Amor Perfeito”, Elísio Lopes Jr. fala sobre novela e carreira: “Meta é reconstruir imaginários”

Chega nesta segunda-feira (20) à TV Globo a nova novela das 18h, “Amor Perfeito”, que tem roteiro assinado pelo baiano Elísio Lopes Jr., de 47 anos, marcando a sua estreia no ramo. Antes disso, ele já assinou peças e filmes como “Medida Provisória” e “Ó Paí, Ó 2”, que chega ao cinema ainda em 2023. O dramaturgo, diretor teatral, produtor, escritor e roteirista, que nasceu em Salvador, ainda retorna agora para casa depois de cinco anos no Rio de Janeiro. Ao Alô Alô Bahia, ele falou sobre a trajetória profissional, os planos para o futuro e o novo desafio de realizar o roteiro de uma novela que promete ser disruptiva. 

“Amor Perfeito” tem, de acordo com a TV Globo, além de nomes no roteiro e direção, metade do elenco composta por atores negros. Um dos protagonistas, o pequeno Levi Asaf, reforça a representação baiana junto com Elísio. Aos 9 anos, o menino natural de Juazeiro interpreta Marcelinho, filho dos personagens de Camila Queiroz e Diogo Almeida. A trama, ambientada nas décadas de 1930 e 1940, retrata a elite negra brasileira, com personagens pretos que ocupam lugar de destaque na sociedade, como médicos, promotores e empresários.

Confira a entrevista:

Alô Alô Bahia: “Amor Perfeito” traz com metade do elenco composta por atores negros, não em papeis de escravizados - como diversas novelas de época - mas em posições de destaque na sociedade. De que forma você encara esse projeto e como acredita que ele será recebido pela sociedade? 

Elísio Lopes Jr.: Queremos normalizar a nossa existência, seja como rico ou pobre, vilão ou mocinho. Nós somos desejo e inteligência, então as histórias precisam abraçar, inclusive, as nossas fraquezas e dúvidas. Aí, sim, estaremos caminhando para a diversidade. Não é colocar preto de qualquer jeito, é possibilitar que sejamos indivíduos e não "os pretos". Nessa novela nós estamos fazendo isso, contando histórias e não reagindo ao olhar racista do outro. E isso só é possível porque tem autor preto e diretor preto, que é o André Câmara; a história não seria essa se não fosse a minha escrita e o olhar dele. Não estou falando de melhor ou pior, estou falando sobre perspectiva, escolha do olhar, cuidado e consequência. Ao mesmo tempo, vivemos num país polarizado, onde muitos, ainda, não desejam reconhecer e abrir mão de privilégios. Mas isso não nos impedirá de avançar. A sociedade evolui dessa forma, convivendo e aprendendo a respeitar o espaço do outro.

AAB: O que uma novela como essa pode trazer de mudança?

Elísio: Referência. Imagine que a novela entra todos os dias na maioria dos lares deste país, faz companhia, ainda é a maior opção de entretenimento do Brasil. Se a cada capítulo eu consigo me ver, bem vestido, com desejos próprios,  beijando na boca, ocupando espaços, com certeza eu entendo que também é possível para mim, que eu tenho direito a sonhar e que se o outro pode, eu também posso. É sobre representatividade e construção de novos imaginários.
 
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AAB: Seus trabalhos têm muita ligação com causas do movimento negro. De que maneira suas convicções e vivências pessoais se entrelaçam com suas experiências profissionais? 

Elísio: Minha meta como autor, seja na TV, no cinema ou nos palcos, é reconstruir imaginários. Por muito tempo as possibilidades de ver um personagem negro nas telas eram limitadas às figuras coadjuvantes, que raramente tinham histórias com desejo próprio. Os pretos pareciam existir apenas para reagir às histórias dos brancos, ou para sobreviver ao racismo. Quando eu falo de reconstruir imaginário é, por exemplo, colocar um beijo na boca entre dois pretos que se amam na novela das 18h ou ter um protagonista preto médico, como o Dr. Juliano Moreira. Não é inventar um Brasil, é girar a câmera e o olhar para a inteligência e para a beleza e não para a precariedade e para as exclusões. Minha dramaturgia só existirá para além de mim se ela servir para essa construção. 

AAB: Você participou dos roteiros de “Ó Paí, Ó 2” e de “Medida Provisória”, filmes que nasceram do teatro baiano. Como foram essas experiências profissionais para você? Tem planos de desenvolver outros projetos por aqui?

Elísio: “Medida Provisória” foi o meu primeiro filme assinando roteiro e, “Ó Paí Ó 2”, o segundo. Ambos frutos do teatro baiano e não por coincidência. “Medida Provisória” foi escrito a partir da peça do teatro baiano “Namíbia, não!”, de Aldri Anunciação. “Ó Paí Ó 2” é um clássico do Bando de Teatro Olodum, grupo que me formou como expectador. Me fez acreditar que eu podia pensar histórias que pessoas como eu poderiam protagonizar. O convite do Bando para escrever esse filme, 13 anos depois do primeiro, contando o caminho seguido por aqueles personagens, foi um dos desafios mais honrosos da minha história. É como se eu pudesse devolver um pouco do que o Bando fez pela minha geração. 

AAB: Você começou com uma graduação em comunicação em uma faculdade aqui em Salvador e partiu para o Rio de Janeiro, trabalhando em projetos nacionais fincados no polo de produção do Sudeste. Foi difícil encontrar espaço em Salvador? 

Elísio: O mercado cultural de Salvador, para mim, é o mais potente do país e, ao mesmo tempo, um dos piores em sustentabilidade. Os artistas que persistem em ficar na cidade travam uma luta inglória para sobreviver de sua arte. Por isso a carreira de um artista baiano torna-se uma loteria e a profissão de ninguém deveria depender de sorte. Infelizmente, o artista baiano precisa de talento, disciplina e sorte. Por isso, às vezes, sair da Bahia não é escolha, é a única opção. Estou há oito anos na TV Globo e há cinco morando no Rio de Janeiro. Com o modelo de trabalho mais virtual por conta da pandemia, acabei de voltar a morar em Salvador. A rotina de ir e vir toda semana era desgastante e eu tenho três filhas pequenas que quero criar aqui, perto do nosso lugar. 

AAB: Você se constitui como um profissional multifacetado, atuando como roteirista, dramaturgo, diretor artístico, escritor e gestor cultural. Depois dessa estreia como roteirista de novela com Amor Perfeito, quais serão os próximos rumos?

Elísio: Esse é um ano muito feliz na minha história, resultado de uma construção longa, disciplina e foco. Tenho muito a comemorar porque estarei nos lugares que mais amo: na novela da TV Globo; no cinema com “Ó Paí Ó 2” e “Medida Provisória”, que acabou de estrear no continente africano; no Globoplay, com uma série que começa a ser gravada em abril, com um elenco preto de primeira. Nos palcos, vou dirigir um musical chamado “Os Milagres da Santa Dulce”, um cordel que conta a história da nossa santa, que estreia em outubro, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves (TCA). 

Saiba mais sobre a novela Amor Perfeito: "Com baiano entre autores, novela da Globo terá metade do elenco composta por atores pretos"

Fotos: Amanda Jordão/Divulgação | TV Globo/Divulgação. Também estamos no Instagram (@sitealoalobahia), Twitter (@Aloalo_Bahia) e Google Notícias.

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