Do Largo ao Convento: para onde vai o Carmo?

José Mion é jornalista, assessor de imprensa, apaixonado por Gastronomia e escreve para o Alô Alô Bahia.

O Santo Antônio Além do Carmo não nasceu ontem, claro. Surgiu no século XVII, fora dos muros da cidade e após as portas do Convento do Carmo, fato que deu origem ao seu nome. Parte do Centro Histórico de Salvador, por muito tempo, o bairro ficou na sombra do vizinho Pelourinho, mas já carregava “uma tradição festiva, cultural e mesmo boêmia”, como lembra o poeta James Martins, morador da região, em conversa com o Alô Alô Bahia.
 
Apesar do período em “segundo plano”, o casario colonial não deixa esconder que ali, em algum momento, foi o coração social da cidade, antes de muitos casarões serem abandonados ou destruídos pelo tempo. Esse momento de apogeu, inclusive, parece estar de volta, mas não sem levantar muitas questões acerca desse “boom”, que coloca o Santo Antônio de volta no centro do interesse da população local e dos turistas.
 
Com a abertura de museus, restaurantes e bistrôs mais recentemente, a cultura do bairro respira, sim, novos ares. Muitas propriedades têm sido adquiridas por artistas e personalidades, como Regina Casé, Vik Muniz, Pedro Tourinho e o recentemente falecido Marcelo Sá, que viveu lá até sua despedida. A vista especial para a Baía de Todos os Santos, mas, acima de tudo a tranquilidade do local, aparecem sempre como justificativas do porquê de se mudar para lá. É natural que novos moradores, inclusive famosos, valorizem o entorno, onde novos serviços estão surgindo, voltados para o turista e soteropolitanos de outros bairros. Mas, “o Santo Antônio Além do Carmo é um bairro residencial”, lembra James.
 
“As regras básicas de convívio comunitário não estão suspensas por se tratar de um lugar turístico. Aqui ainda tem, ou precisa ter, lei do silêncio, proibição de urinar nas portas...”, reflete o também comunicador. Segundo ele, se o Santo Antônio for transformado em praça de espetáculos e esvaziado de sua alma residencial, em breve, “os próprios forasteiros perderão o interesse e deixarão pra trás apenas os resíduos que já deixam toda noite”, sentencia.
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Os questionamentos são válidos e é de se celebrar a abertura de tantos empreendimentos de qualidade, prontos para atender turistas e moradores com conforto e respeitando quaisquer regras. Recentemente, passamos uma tarde e uma noite no bairro, comemorando de perto a abertura do Bistrô das Artes, que mistura delícias da chef Karine Poggio com a curadoria de arte precisa de Nino Nogueira, e do Yolo Café e Bar, além da mudança do Poró para um ponto maior, fruto da história que a marca construiu com seu público. A Casa Boqueirão trouxe o serviço da Casa Castanho para seu interior e o Museu Aleixo Belov qualificou ainda mais o local.
 
É fato que, do Largo ao Convento, muita coisa bacana acontece e, nesse caminho, muito moradores pedem apenas um pouco mais de atenção, principalmente de quem frequenta o bairro apenas para aproveitar o que ele oferece e descansa a cabeça bem longe. No percurso que passa pelos clássicos Travessas e Ulisses, pouco antes do Hotel Villa Santo Antônio e do Aram Yami Hotel, até Rango Vegan é possível degustar por lá, antes de ver aquele pôr do sol de tirar o fôlego no Cafélier, no Pysco, no Antique ou no Raiz.
 
A arte do estúdio criativo Agá e do Ateliê 29, o som da Caveira Discos, para quem ama vinis, e a beleza e luxo das joias artesanais e gemas do ateliê D.Kley Gems & Art se misturam à tradição do  Zanzibar, do Abará da Vovó e da espontaneidade do Café e Cana, em frente à Praça da Cruz do Paschoal, onde as noites são fervidas – talvez demais? “Não podemos permitir que o local se transforme numa versão piorada do Largo de Dinha. É aí que entra a responsabilidade dos poderes públicos, na ordenação”, pondera James.
 
Ali no “miolo”, é interessante ver como a comida sofisticada de Jota Moraes, à frente da Casa de Farinha, e as delícias do Ateliê Dani Cunha não se estranham. E como a comida regional do Cadê Q Chama? é um ótimo ponto de partida para seguir depois para o Daqui do Alto, onde sempre rola uma música ao vivo. Esse grande balaio de opções é o que encanta os visitantes do bairro, mas, nessa mistura, não pode faltar o respeito a quem mora na região. O interesse pelo bairro é positivo, claro, “mas organização e consciência, da parte de todos, é fundamental”, reforça Martins.
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Fotos: Divulgação/ Maiana Belo/G1 BA / @douglastourinho. Também estamos no Instagram (@sitealoalobahia), Twitter (@Aloalo_Bahia) e Google Notícias.

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