"Usar cloroquina para prevenir coronavírus não existe", diz Colbert Martins

Primeira cidade a registrar casos de coronavírus na Bahia, Feira de Santana, segundo maior município do estado, parece ter conseguido bloquear o crescimento desenfreado da doença. Ao menos é o que o prefeito Colbert Martins (MDB) acredita. Para ele, as investigações epidemiológicas adequadas somadas a um levantamento e organização prévia de equipamentos e estratégias necessárias para o acompanhamento dos casos foi o que manteve a cidade com um crescimento mais contido.
 
Mesmo acreditando que as ações tomadas com antecedência foram efetivas, Colbert Martins, que, além de prefeito também é médico e professor de epidemiologia, admitiu em entrevista especial ao Alô Alô Bahia, em parceria com o Jornal CORREIO, que a cidade ainda tem dificuldades de acompanhar o crescimento da curva de pacientes de internação e identificar a quantidade exata de pessoas que irão precisar de internação futuramente. O prefeito ainda comentou sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes e revelou que uma pessoa na cidade foi tratada com o medicamento.
 
A entrevista com Colbert Martins é a primeira de uma série de entrevistas com os prefeitos das maiores cidades do interior. O objetivo é informar a sociedade baiana sobre as ações que estão sendo tomadas nos principais municípios do estado, que enfrenta o avanço da Covid-19.
 
Antes da Bahia receber casos da covid-19, outros estados do Brasil já tinham registrado confirmações. Como Feira de Santana se preparou para os casos?
 
Na Bahia o primeiro caso aconteceu em 6 de março e nós já estávamos com as equipes prontas para fazer esse acompanhamento, principalmente a Vigilância Epidemiológica, além de termos feito um levantamento de todos os equipamentos possíveis e necessários para o acompanhamento desses casos. Passamos a seguir todos os possíveis casos, fazendo as investigações epidemiológicas adequadas, e nós conseguimos bloquear o crescimento maior dessa doença numa cidade do porte de Feira de Santana, principalmente pela quantidade de pessoas que por aqui circulam. Então nós começamos a nos preparar ainda em fevereiro, quando a doença estava no auge lá na China. Começamos a fazer as nossas preparações aqui com antecedência, junto com nossas equipes, dentro dos nossos limites, para poder ter o resultado que a gente tem hoje, que é um cenário positivo com relação a frear o crescimento e o desenvolvimento dessa epidemia.
 
Feira de Santana foi o primeiro município a confirmar casos do novo coronavírus. Quais foram as principais dificuldades enfrentadas por vocês por conta do desconhecimento? Houve um apoio da Secretaria de Saúde do Estado?
 
 Nós tomamos conhecimento da existência de um caso no dia 6 de março. Essa pessoa chegou no dia 25 de fevereiro da Itália. A pessoa foi atendida em Salvador por duas vezes e nós não tínhamos conhecimento do caso. Só soubemos quando ele foi confirmado, no dia 6 de março. Em razão disso, houve uma transmissão intradomiciliar para outras pessoas e esse caso foi contido graças à ação da Vigilância Epidemiológica e do bloqueio de todas aquelas transferências. Nós entendemos que era necessário que tivéssemos sido informados primeiro. A integração entre Secretaria de Saúde do Estado e secretarias municipais deve-se dar, na minha maneira de entender, de forma muito mais rápida. Eu mesmo fui surpreendido às 6 horas da manhã do dia 6 quando houve uma informação pelo Twitter de que havia um caso em Feira de Santana. Nós nunca tomamos conhecimento de que esse caso era de uma pessoa daqui da nossa cidade, mas a partir das 10 horas da manhã da sexta-feira nós tivemos exatamente a localização e acompanhamos o caso.
 
Quais são as principais dificuldades neste momento?
 
Acompanhar o crescimento da curva de pacientes que vão precisar de internação. Há um número grande de casos, são 44 em Feira de Santana (até esta terça-feira, 14), sendo que em cinco destes o paciente foi identificado como caso daqui de Feira, mas não são moradores da nossa cidade. Então uma das dificuldades neste momento é seguir cada caso que a gente não sabe a origem, chamados casos comunitários.  A gente não consegue mais prevenir efetivamente como nós viemos fazendo até então. Outro aspecto é identificar a quantidade de pessoas que vão precisar de internação. Para isso, estamos já preparando a Mater Dei, que é um hospital que estava desativado em Feira, crescendo o máximo possível de leitos para que a gente possa, além de leitos de UTI, enfrentar uma eventual necessidade, que eu acho que vai acontecer, com o aumento do número de casos.
 
Como está a situação da cidade com relação ao número de leitos? Muito se fala em um possível colapso no sistema de saúde. Acredita que Feira pode sofre esse colapso?
 
Eu acredito que não. Mas nós estamos nos preparando, pois de qualquer forma é preciso deixar aberta uma possibilidade desse tipo. Porque se o número de casos for alto demais, por mais leito que se tenha, não é suficiente. E eu estou falando tanto de leitos públicos, como de privados. Neste momento existem três pessoas internadas, uma delas numa UTI privada. Os primeiros casos na Bahia, em Salvador, todos foram em hospitais privados. Aliás, o primeiro caso do Brasil foi no Albert Einstein, em São Paulo, um hospital privado. Então do ponto de vista de leitos públicos, nós estamos tentando reduzir o aumento dessa curva de incidência do coronavírus para poder ter um número menor de pessoas internadas em um mesmo período, para o sistema de saúde poder absorver bem. Então esse é o objetivo. O Hospital Geral Clériston Andrade deve montar uma UTI para 40 leitos, não sei se estão prontos ainda; o Hospital Estadual da Criança terá uma UTI também para mais de 20 leitos, não sei se estão prontos ainda; e nós estamos aqui nos aprontando para poder oferecer 50 leitos, 40 dos quais para pacientes de média e baixa complexidade e uma UTI de 10 leitos também.
 
Qual sua opinião sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento dos pacientes com coronavírus? Em Feira, há pacientes usando este medicamento?
 
Em Feira de Santana tivemos uma paciente que usou esse medicamento e o resultado foi muito ruim porque ela teve um aumento de destruição de enzimas hepáticas, e se não fosse suspenso, ela poderia inclusive vir a sofrer de uma insuficiência hepática gravíssima. A Cloroquina é um medicamento usado para malária, para lúpus, etc., pode ser usado sim, como é um potente anti-inflamatório, mas resulta em problemas graves como arritmia e problemas também com alterações hepáticas importantes. Então é preciso saber qual é o caso, é preciso saber a necessidade, é preciso que o pai ou a mãe ou família autorize e o médico queira fazê-lo. Não é simplesmente o uso. E usar cloroquina em comprimido para poder prevenir coronavírus, isso é que não existe. Ela não tem função de prevenir absolutamente nada. A única forma de prevenir um vírus, uma viremia como essa, é uma vacina e não tem a vacina ainda. Como é que com H1N1? Tem uma vacina, ninguém combate H1N1 com Cloroquina. Então no dia que houver uma vacina, nós vamos utilizá-la e aí sim, a vacina é a única a forma de ativar a defesa do nosso organismo para poder derrotar o vírus.
 
Como está a adesão ao isolamento social na cidade? É suficiente?
 
Baixou muito na semana passada. Na semana santa, na terça, quarta, na quinta-feira, no sábado e no domingo tivemos muitas pessoas indo ao centro da cidade, principalmente as áreas bancárias, e para minha surpresa, filas enormes para comprar ovo de Páscoa. Ovo de Páscoa não é indispensável para ninguém, mas as pessoas se juntam muito e toda vez que se juntam muito o vírus tende a passar de uma para outra com muita velocidade. E quanto mais gente adoece, mais gente pode evoluir com gravidade. E essa história de dizer que só tem risco para pessoas idosas, é mentira. Aqui em Feira de Santana nós temos uma criancinha com alguns dias de nascido também. Então tem criancinhas morrendo aqui no Brasil, no mundo inteiro, tem adultos jovens de 27, 29 anos, tem o médico que morreu em São Paulo do SAMU na semana retrasada e pessoas mais velhas que também morrem. E nas pessoas que tem mais de uma doença pode acontecer sim problemas mais graves, inclusive a perda da vida.
 
Foto: divulgação. Siga o insta @sitealoalobahia.

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