‘Temos artistas negros que tocam nos EUA, mas não na Pituba', lamenta secretário após desabafo sobre falta de patrocínio

É jornalista e escreve para o Alô Alô Bahia. Instagram: @hilzacordeiro. Quer sugerir uma pauta? hilza.cordeiro@aloalobahia.com

Apesar de ser terreno de uma rica herança cultural afro, Salvador pena para conseguir patrocínios de marcas para impulsionar o talento e criatividade da comunidade negra. Em novembro, a capital baiana vai receber mais de 20 eventos culturais de celebração da negritude, entre eles o Afropunk e Liberatum, e recentemente o secretário de Cultura de Salvador, Pedro Tourinho, desabafou nas redes sociais sobre como a concentração de recursos no eixo Rio São Paulo estrangula as possibilidades na capital baiana.

Em entrevista ao Alô Alô Bahia, Tourinho expandiu a conversa sobre esses desafios e o quem vem por aí.

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Alô Alô Bahia - No seu desabafo recente, você ressaltou que, em grande maioria, a prefeitura está apoiando esses eventos sozinha, devido à falta de patrocínio. Qual é a importância de receber apoio financeiro das marcas para eventos culturais como esses? Depois do teu texto, alguma marca chegou para colaborar?

Pedro Tourinho: Olha, 90% desses eventos são produzidos por produtores negros da cidade e do mundo, no caso do Afropunk e Liberatum. A gente está apoiando todos eles para estarem aqui porque sem apoio eles não estariam. O apoio varia: Alguns com recurso, outros com parceria de logística. E aí a gente consegue ajudar para garantir que as coisas aconteçam, mas não é algo fácil para nós. 

Obviamente, qualquer ecossistema de negócios do mundo tem que ter o público e o privado juntos participando. Ter as marcas conectadas é super importante para poder realizar essa que é uma estratégia de política pública de Salvador, que é de se posicionar como capital afrodiaspórica. 

O que publiquei fala desse viés racial das decisões das empresas do eixo Rio-São Paulo, que concentram os recursos em eventos de lá. Tem empresa que gasta mais num estande num festival em São Paulo do que com o que gasta no restante do Brasil. 

Tem projetos de ativação que custam de R$ 15 milhões a R$ 20 milhões, e não colocam um tostão de dinheiro aqui, em eventos de cultura negra em outra capital do país, mesmo com artistas e lideranças internacionais vindo aqui, como Viola Davis, Angela Basset. E tudo com cobertura na imprensa. O que justifica? Nada justifica.

Então, tem um lado que eu, Pedro, secretário, acompanho o trabalho dos empreendedores, e desejo que venha dinheiro, e tem o outro, que é de reflexão, de questionar e apontar o mercado sobre as razões disso acontecer e estabelecer um diálogo para provocar uma mudança. [Vieram] empresas para conversar, sim, mas para fechar ainda não. 
 
Quais são as implicações dessa falta de recursos? Quando o dinheiro não vem, o que acontece?

Primeiro que as propostas nem chegam diretamente para os empreendedores negros porque elas já passam por um filtro da bolha que trabalha nessas empresas, que são, muitas vezes, formada por pessoas que consomem as mesmas mídias brancas.

Essa bolha só vai ser rompida quando você tiver diversidade no campo de decisão dessas empresas. Ou, pelo menos, quando você tiver lá pessoas brancas que tenham consciência de que é necessário reconhecer a contribuição das pessoas negras para a cultura e realizar ações afirmativas para potencializar a equidade racial.

Como abordar a falta de letramento racial e empatia de gestores brancos que estão envolvidos na tomada de decisões culturais? Esse teu desabafo como gestor foi uma tentativa de diálogo com essas pessoas também brancas?

Sim, totalmente. E tive, eu dialoguei. Tive contato com diretores e presidentes de empresas. Falei abertamente sobre isso, repetindo o que falei. A responsabilidade é nossa, sobretudo dos brancos, de reparar. É um assunto que as pessoas evitam. A gente tem um lugar de responsabilidade de agir dentro do sistema para reparar, e de ter consciência do que representa uma ação afirmativa nesse momento da nossa história.

Você se relaciona com uma pessoa negra. O quanto o teu relacionamento impacta o teu modo de ver as coisas da cultura e o teu trabalho como gestor? Você e Kevin têm diálogos sobre esses temas?

Kevin é um grande companheiro e aprendo com ele todos os dias. Conheci através de amigos em comum, atuamos na mesma área em São Paulo, onde ele, assim como eu, é sócio fundador de uma agência de comunicação. A conversa sobre o racismo permeia nossa relação, e não há letramento maior do que a verdadeira empatia.

Você mencionou a importância de as pessoas virem ver com os próprios olhos a potência do que está acontecendo em Salvador. Com os seus olhos, o que você vê que está acontecendo em Salvador?

Acho que a cultura afro diaspórica tem ganhado um protagonismo gigantesco no mundo. A cultura pop mundial é a cultura negra. Ao mesmo tempo, temos artistas de Salvador que tocam no Brooklyn, nos EUA, mas que não tocam na Pituba, sabe? Esse é o caso da Batekoo, que é um dos maiores coletivos de entretenimento negro. 

Eles fazem um festival em São Paulo para 10 mil pessoas, têm contrato com a Adidas, Spotify. Eles são incríveis, têm um projeto super bem sucedido e tem gente em Salvador que não conhece. É isso que está acontecendo em Salvador. Por isso, o Afropunk e o Liberatum fizeram questão de acontecer aqui, de estar aqui e não em São Paulo, porque eles sabem que isso aqui é o centro cultural afro diaspórico do país.

Em novembro, Salvador vai receber mais de 20 eventos que visam valorizar a cultura negra. Esse projeto do Novembro Negro tem sido uma forte aposta no calendário da cidade. É algo que deve ser permanente, acontecendo todos os anos? 

Olha, na nossa estratégia em relação ao turismo, é muito difícil sair da sazonalidade do verão. Então, a estratégia é criar outra sazonalidade. E para criar outra sazonalidade tem que ser outra coisa muito específica que só sua cidade desenvolve, as características dela, como a Semana de Moda de Milão, na Itália, por exemplo, onde tudo acontece ali. Então, aquilo ali vira um destino naquele momento, e todo mundo se encontra ali naquele período, naquele lugar. Só que essa potência deságua nos outros meses do ano. 
 
Então essa foi a estratégia do Salvador Capital Afro e não tem volta. Acho difícil que isso não se torne uma coisa parte do calendário, até porque os hotéis estão todos cheios para o mês de novembro. E esse é o primeiro ano. Depois que acontecer esse ano, que eu tenho certeza que vai ser um impacto gigantesco no posicionamento e funcionamento da cidade, não vai ter como ter volta. Acho que isso pode virar uma chave muito importante na cidade.

E como essa chave vai virar? De que forma esses eventos vão contribuir para a promoção da cultura afro-brasileira na cidade e no país? Quais desdobramentos imagina que possam partir daqui?

Existe um elemento importantíssimo que é a conexão internacional. Se olhar a programação do Liberatum, você vai ter pensadores negros internacionais em contato, em mesas de debates, com pensadores negros baianos. O Afropunk também traz artistas internacionais e a gente vai ter uma festa chamada Everyday People, dia 17 de novembro, que é muito popular nos EUA. É uma das festas mais importantes do Brooklyn e essa conexão é uma virada de chave, um ponto importantíssimo de conexão entre Salvador e os EUA. 

E a segunda coisa é econômica. É provar que o afroturismo é rentável porque esse turismo movimenta a economia. E aí vem a questão de privilegiar empreendedores negros porque o turismo é o maior pilar da economia de Salvador e a gente percebia que a população negra não se beneficiava disso. Então, precisamos beneficiar a galera preta com a própria riqueza cultural que ela produz e oferece.
 
Foto: Reprodução/Instagram.

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