Alô Alô Bahia entrevista Manfred Stoffl

Após cinco anos na direção do Goethe-Institut em Salvador, Manfred Stoffl deixa o cargo para assumir a direção do Departamento de Teatro e Dança do Goethe-Institut em Munique. Seu retorno para Alemanha será neste sábado (29).  Antes disso, ele conversou com o Alô Alô Bahia sobre a experiência na capital baiana e a emoção de receber o título de cidadão soteropolitano concedido pela Câmara de Vereadores.


Alô Alô Bahia - Sua gestão à frente do Goethe-Institut foi marcada por abrir portas para produções artísticas de grupos ligados à comunidade negra, LGBTQIA+ e da periferia. O que te motivou a trazer essa diversidade para o centro da sua atuação?

Manfred Stoffl - Antes de assumir a direção do Goethe-Institut em Salvador, eu administrava o Goethe-Institut em Montreal, no Canadá. Minha gestão por lá foi reconhecida pelas ações que abriram as portas da unidade para todas as pessoas. Em qualquer lugar do mundo, o Goethe-Institut se define como um espaço aberto, independentemente de classe social, gênero, orientação sexual, religião ou raça. Ninguém precisa falar alemão para vir até nós, as portas estão abertas. Em Salvador, no entanto, um episódio me abriu os olhos à necessidade de ações continuadas. Em 2016, quando estive à frente da implantação do Programa de Residência Artística Vila Sul, recebemos a ativista Grada Kilomba. Ela falou com mais de 200 mulheres, em sua maioria negras, em nosso pátio. Naquela ocasião, conversei com mulheres que relataram as impressões que tinham a respeito do Goethe-Institut. Para elas, era um lugar organizado e pensado para os brancos. Ali ficou evidente que algo precisava ser feito.

AAB – Como diretor da instituição, qual foi a sua reação diante desse episódio e quais foram os principais desafios nesse processo?

Manfred Stoffl - Minha reação foi ouvir, entender e, em seguida, buscar meios para tornar o Goethe-Institut esse espaço que hoje é, reconhecidamente, plural nas suas atividades. Essas mulheres me ajudaram a perceber que grupos sociais historicamente subalternizados sentem o não pertencimento em um local que fica no Corredor da Vitória em um imóvel com traços coloniais. Eu, pessoa branca da Europa, não sei a sensação de ter locais fechados para mim por causa da minha origem. Esse episódio me deixou absolutamente convencido de que a exclusão deve ser rompida. As fronteiras entre periferia e centro devem se tornar permeáveis. O maior desafio é que você não pode mudar algo assim da noite para o dia e que existem problemas estruturais que você não pode resolver sozinho. As mudanças precisam de muita força e persistência.

AAB – O que representa para você receber o título de cidadão soteropolitano e o que você acredita que levará de bagagem da sua experiência na Bahia para a sua atuação na Alemanha?

Manfred Stoffl - Antes de tudo, este título é uma grande honra. Nunca esperei receber algo com tamanha representatividade. Estou muito feliz com o reconhecimento do meu trabalho. Sei que nossos projetos nem sempre agradaram a todos e que chocamos algumas pessoas, mas essa conclusão me diz que, em geral, tudo deu certo. Eu não poderia ter imaginado uma despedida melhor. Espero levar a leveza e descontração da Bahia comigo para a Alemanha. Também quero permanecer vigilante e continuar a ouvir todos os grupos a fim de poder atender a muitas necessidades, se possível.

AAB – A partir do trabalho realizado e do legado deixado pela sua gestão, quais são os próximos passos e desafios do Goethe-Institut de Salvador?

Manfred Stoffl - Em tempo de pandemia, nosso maior desafio é manter o trabalho. Nós gerenciamos cursos da língua alemã, uma programação cultural e o Programa de Residência Artística Vila Sul. Nada disso deve parar. Seguimos nosso trabalho em formatos alternativos, como pode ser conferido em nossas redes sociais. O Goethe-Institut de Salvador possui uma equipe de trabalho engajada e atenta a esses desafios. 

AAB – Quais têm sido os principais desafios em atuar com cultura neste período de pandemia e qual você acredita que seja a perspectiva de futuro para este segmento?

Manfred Stoffl - A arte e a cultura prosperam nos encontros entre artistas e o público. Os festivais são o oposto de distância, significam condensação, contato, muitas vezes o contato físico. Nada disso é possível durante a pandemia. A mudança para o digital tem funcionado bem em alguns casos, mas também ameaça excluir pessoas sem possibilidades técnicas e dispositivos de acesso à internet. Espero que, em breve, retornemos aos eventos físicos, mas o digital permanecerá, mudará e será expandido. Um dos desafios é isso acontecer sem barreiras. Por exemplo, é preciso ter acessibilidade técnica às pessoas com deficiência visual. A sociedade, de modo amplo, precisa se comprometer com a cultura. A cultura não é um luxo que desperdiça dinheiro. A cultura é a força vital de uma sociedade com pessoas que precisam ter, pelo menos, renda suficiente para sustentar a si e os seus familiares.

AAB – Quais são as expectativas com os próximos desafios que você assumirá na direção do Departamento de Teatro e Dança do Goethe-Institut em Munique? Quais devem ser os próximos passos por lá?

Manfred Stoffl - Olha, confesso que meu primeiro passo é redescobrir a Alemanha. Estou há 15 anos longe do meu país de origem e preciso compreender os novos caminhos que se abrem por lá. O departamento que assumirei possui diversas demandas, uma delas é o apoio às turnês internacionais de grupos de dança e teatro. Quero, inicialmente, discutir com minha equipe se isso ainda é apropriado. A pandemia e a mudança climática nos mostram os limites das viagens e temos que nos perguntar se ainda é possível enviar companhias com muitos artistas para longas viagens ao redor do mundo. Talvez, no futuro, tenhamos que entregar peças a artistas locais, por exemplo. Além disso, os grandes teatros na Alemanha enfrentam uma grande mudança. As estruturas de poder dominadas pelos homens, em particular, estão sendo cada vez mais criticadas, e o apelo por diversidade e inclusão está se tornando cada vez mais alto. O teatro e a dança devem permitir a participação de todos os grupos. Esse é um cenário que Brasil e Alemanha têm em comum.



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