14 Dec 2012
Ser rico em Salvador...
"Ser rico em Salvador não é uma tarefa fácil. A pessoa viaja pra Europa, compra um casaco de pele de chinchila, e não consegue usar a vestimenta nesse calor. Acorda com vontade de comer um pão mergulhado no azeite de oliva da Ilha de Creta, e descobre que a Perini esqueceu de importar o produto nesse mês. Procura uma boate decente para encontrar os amigos, mas todas já estão infestadas pela classe média emergente. Quer passear em paz com sua lancha na Baía de Todos os Santos, e tem que enfrentar o trânsito de Ferry-Boats carregando soteropobretanos para a Ilha de Itaparica. Necessita ir a uma reunião de negócios em Nova York, e precisa viajar até Recife só pra tirar o visto americano, porque Salvador não conta com um Consulado dos Estados Unidos. Uma província.
Mas nem tudo são lágrimas e estresse na vida dos ricos e bem sucedidos da Bahia, já que ainda é possível ser feliz e usufruir dos pequenos luxos que a nossa cidade oferece. E entre as atividades soteroporricanas mais famosas, a mais invejada, a mais exclusiva, e aquela que você deve fazer antes do mundo acabar, é passar o dia num píer do Corredor da Vitória. E se você pensa que chegar perto de um deles é tão fácil quanto jogar golfe com Barak Obama, e que para entrar num daqueles prédios, só virando faxineira de Ivete Sangalo, acompanhe a dica de hoje.
Originalmente, a Vitória foi desbravado por Thomé de Souza - primeiro Governador-Geral do Brasil -, que desembarcou no Porto da Barra com sua comitiva e subiu a colina até encontrar o local mais apropriado para a fundação da Cidade do Salvador, em 1549. Recebeu o nome 'Corredor da Vitória', segundo consta, porque foi o palco do desfile das tropas que derrotaram o exército português na Guerra de Independência da Bahia, em 1823. A partir daí, tornou-se residência da aristocracia que fugia das ruas estreitas e acidentadas do Centro Histórico, assim como morada de comerciantes ingleses, franceses, espanhóis e italianos recém-chegados à cidade da Bahia, e que se instalaram no bairro trazendo inovações construtivas baseadas nos princípios higienistas europeus, bem diferentes da arquitetura portuguesa do Pelourinho. O século XX chegou, e com ele veio a especulação imobiliária, a derrubada de algumas mansões, e a construção dos prédios mais altos da cidade (entre eles o Margarida Costa Pinto, o edifício mais alto do Norte-Nordeste, e 6º maior do Brasil). Hoje, o Corredor da Vitória se destaca além da arquitetura arrojada das construções, concentrando algumas das melhores opções culturais de Salvador, como cinema, teatros, centros culturais, galerias de arte, e museus.
O bairro se divide entre aqueles que moram do lado esquerdo - milionários, artistas, políticos, e desembargadores -, e aqueles que moram do lado direito: ricos decadentes, novos-ricos, classe média metida a rica, gente que comprou um apartamento há muito tempo (quando ainda não era tão caro), e herdeiros das fazendas de Cacau (que ficaram pobres e se mudaram para o lado de cá). O primeiro passo para garantir o seu banho nas águas cristalinas da Vitória é saber bem essa diferença, e se lembrar dela quando conhecer alguém que mora pela área. Se o apartamento for virado para o Vale do Canela, dispense a amizade. Se for virado para o lado de lá, trate de se tornar o melhor amigo, banque o prestativo, e depois, assim como quem não quer nada, se convide para conhecer o prédio onde a pessoa mora.
E presumindo que você, na condição de pobre, não conhece pessoas ricas - e não vai conseguir encontrar um ser humano da Vitória para te adotar como amigo -, ou caso você descubra que o prédio da pessoa não tem píer ('É uma cilada, Bino!'), não se desespere. O segundo passo para conferir de perto se o mar do Corredor da Vitória é transparente como dizem, é se jogar no restaurante 'Mahi-Mahi', localizado no píer do Hotel Sol Victória Marina (em frente ao Colégio Odorico Tavares), que cobra uma taxa de consumação mínima e dá direito a aproveitar o mesmo espaço oferecido aos hóspedes do Hotel, e com tudo o que você tem direito (até usar o toboágua que cai no meio do mar). A parte ruim da história é que essa taxa de consumação custa 60 reais, e que provavelmente você vai pedir uma água e uma batata-frita e já vai ter atingido o valor mínimo. A parte boa é que o mundo vai acabar na semana que vem, e você pode colocar o valor no cartão para pagar só em janeiro." *
*Autor desconhecido, retirado, nesta sexta-feira, do Guia de Sobrevivência do Soteropobretano.
Foto: Reprodução.