A Câmara dos Deputados da Itália aprovou, nesta terça-feira (20), um projeto que impõe novas restrições ao acesso à cidadania italiana, impactando diretamente milhões de descendentes, especialmente no Brasil. Com 137 votos favoráveis, 83 contrários e duas abstenções, o texto agora segue para sanção presidencial e consolida as mudanças previstas em um decreto do governo de março deste ano.
A nova legislação modifica de forma significativa o tradicional princípio do jus sanguinis (direito de sangue), que permitia a qualquer pessoa com um ancestral italiano nascido após 17 de março de 1861 — data da unificação da Itália — requerer a cidadania. Com as alterações, o direito passa a ser restrito a quem tem pai ou avô italiano com cidadania exclusivamente italiana, viva ou até o momento da morte.
O objetivo, segundo o governo italiano, é conter o crescimento exponencial de pedidos de cidadania por parte de estrangeiros com ligações familiares distantes com o país. “Ser cidadão italiano é algo sério. Não é um jogo obter um passaporte que permita fazer compras em Miami”, declarou o ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, ao justificar a medida.
A emenda aprovada no Senado italiano retirou a exigência de o ancestral ter nascido em solo italiano, mas manteve a exigência de grau de parentesco próximo e exclusividade de nacionalidade. A intenção é combater a atuação de empresas que lucram com o rastreamento de vínculos familiares antigos para facilitar pedidos de cidadania.
No Brasil, a nova regra pode afetar até 95% dos descendentes de italianos que teriam direito ao reconhecimento sob a legislação anterior, segundo estimativa de Rafael Gianesini, CEO da empresa Cidadania4u. A Embaixada da Itália no Brasil calcula que cerca de 32 milhões de brasileiros tenham ascendência italiana. Desses, pelo menos 730 mil já têm cidadania reconhecida.
Matheus Reis, especialista em cidadania italiana, explicou que quem deu entrada no processo até 27 de março de 2024 não será afetado pela nova lei. “Esses casos seguem as regras anteriores”, afirmou à CNN.
O número crescente de pedidos de cidadania — especialmente na América do Sul — também chamou atenção do governo italiano. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, o total de cidadãos italianos residentes no exterior saltou de 4,6 milhões, em 2014, para 6,4 milhões em 2024. No Brasil, os pedidos passaram de 14 mil, em 2023, para 20 mil em 2024. Na Argentina, foram de 20 mil para 30 mil no mesmo período.
Diante da sobrecarga dos consulados, Tajani afirmou que, no futuro, os processos de reconhecimento de cidadania serão concentrados em Roma, como forma de agilizar os trâmites e desburocratizar os atendimentos consulares.
O Ministério calcula que, sob as normas antigas, entre 60 e 80 milhões de pessoas ao redor do mundo poderiam solicitar a cidadania italiana.