Com 65 anos de história, o Museu de Arte Sacra da Bahia abriga em seu acervo obras raras que registram pedaços da história do Brasil a partir do século XVII. Desde segunda-feira (12), no entanto, o espaço está fechado para o público em virtude da realização de obras preventivas, uma vez que a manutenção da infraestrutura do local já estava dando indícios de precariedade.
O objetivo central dos reparos é impedir que as obras sacras fiquem sujeitas a qualquer risco. Além do cuidado natural e necessário ao museu, que é patrimônio nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN) desde 1938 e declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1985, o zelo se dá pela preservação das relíquias.
No espaço, há exemplares únicos de peças arquitetônicas, azulejarias, pinturas, ourivesarias, imaginárias e mobiliários. “A arquitetura do museu se inscreve numa tradição ocidental com influência italiana de grandes mestres e da tradição espanhola. A própria coleção reúne objetos raríssimos da cultura católica. Temos lá algumas peças de frei Agostinho da Piedade, sendo que duas delas são assinadas e datadas, e isso é raríssimo”, destaca Luiz Freire, historiador de arte.
Frei Agostinho da Piedade, além de padre católico, foi pioneiro escultor da tradição ocidental ativo no Brasil. Entre os anos 1630 e 1642, fez grande parte das suas obras, inclusive em cerâmica. Duas das maiores relíquias deixadas no Museu de Arte Sacra da UFBA são as figuras de Sant’ana Mestra e Nossa Senhora com o Menino. “Ele entrou no Mosteiro de São Bento muito jovem e foi um artista que supriu a ordem de imagens no século XVII, numa época em que não era tão fácil obter essas imagens”, afirma o historiador.
Dentre as peças ornadas a ouro, pratas e pedras preciosas, são destaques o altar recoberto com folha de prata, o sacrário e a banqueta, bem como a figura prateada de Nossa Senhora de Guadalupe, do século XVII, e Nossa Senhora das Maravilhas, do século XVI. Ainda assim, nada costuma impressionar tanto quanto a prata dourada, adornada com mais de 400 pedras preciosas e semipreciosas, única peça pertencente à Ordem dos Carmelitas, encontrada sob o piso da igreja, na época de sua restauração.
Para Luiz Freire, as peças mais rebuscadas e elegantes são os altares, em razão da combinação de retalhos e esculturas. “Eu gosto muito dos retalhos colaterais ao arco cruzeiro da igreja. São peças bonitas, que têm esculturas de São José de Santana e que representam a passagem do rococó para o neoclássico. São muito bem-feitas, do ponto de vista técnico”, avalia.
Nos quadros espalhados pelo museu, as pinturas de autoria de José Teófilo de Jesus, pintor e decorador baiano que viveu entre os anos 1758 e 1847, são representações originais que foram salvas antes da demolição da antiga Sé da Bahia, durante a reurbanização da cidade, no século XX. A mais ilustre de todas é “Jesus institui a Eucaristia”.
As obras com importante valor iconográfico são também aquelas que contam histórias únicas, como a imagem de Santa Luzia, que só foi vendida e trazida de Pernambuco sob condição de nunca lhe tirarem os brincos e o colar de coral colocados na santa. Quando, entre a década de 60 e 70, roubaram os acessórios da santa, o secretário do museu, à época, se desesperou com medo de um castigo divino. Ele então usou o dinheiro de uma das comemorações anuais do espaço para comprar novos brincos, que foram roubados novamente pouco tempo depois.
Outra história tem como referência a Nossa Senhora das Maravilhas, figura sacra representada no acervo do museu. Há quem diga que, diante dela, Padre Antônio Vieira recebeu a “luz” que o transformou em um dos maiores oradores da língua portuguesa.
Luiz Freire ressalta que o fechamento do museu por tempo indeterminado é uma perda, principalmente no que diz respeito às conexões com a educação formal. “O museu tanto contribui para o conhecimento da história, como também para proporcionar uma visualidade que normalmente não se tem de coisas que estão fora do alcance público”, pontua.