Sobre etiqueta, redes sociais e o fim dos tempos

Marcel Proust, diz um amigo meu, só pode ser lido por quem já fez 50 anos. Antes disso não se aproveita completamente do turbilhão de delicadezas que ele nos proporciona. As reminiscências afloram como uma erupção e lembram de tempos em que as pessoas eram agradáveis e se tratavam por diminutivos e apelidinhos. Mesmo quando eram terríveis. Creio que são muito poucas as pessoas agradáveis, hoje em dia.

De quem é culpa? Das redes sociais.

Explico. Quantas pessoas você conhece superficialmente, convive durante séculos, e de forma serena conduz a relação aparando pequenas arestas aqui e ali, por anos a fio – até que a morte nos separa. Lembro de outro amigo, cuja avó, linda e delicada, durante 90 anos conviveu quase que diariamente com sua amiga D. Luisinha. Jamais brigaram. Não creio que tenham falado de coisas profundas que se pudessem desagradar em nenhum momento dessa jornada. Nos últimos 30 anos de suas longas vidas, tomaram café da noite juntas. A avó de meu amigo, que a recebia em sua mesa elegante, costumava levá-la até a porta de casa, quase vizinhas que eram; nesses momentos de íntima solidão compartilhada era possível ouvir uma risadinha ou outra, e inteiramente improvável que trocassem confidências ou tecessem tranças sobre a vida alheia.  Estavam próximas demais – frente a frente. Deveria ser intimidador; como diria Marcel.

As redes sociais aproximam as pessoas distantes. Aproximam demasiado. Mas, ao mesmo tempo escondem as faces reais. Os avatares virtuais não se detém, não se intimidam. Nosso cérebro parece treinado para não reconhecer essa incrível proximidade que nos expõe absurdamente. E assim, como se estivéssemos protegidos por um anonimato anômalo, dizemos coisas inacreditáveis. Dizemos não, as pessoas dizem – qual o quê! Tão perto e tão longe. Por que será que aquela pessoa, que conheço tão assim por cima, me ofende quando expressa uma opinião, normalmente bisonha, sobre um tema que eu jamais trataria com ela. Exatamente por isso. Porque eu não preciso saber de tudo o que aquela pessoa pensa sobre todos os assuntos existentes no mundo. Intimidade insuportável. Pra quê isso, gente?!

Uma grande senhora baiana ensina que intimidade demais somente serve pra brigar e pra fazer filho. Filho é um problema que a maioria sabe evitar. Já as brigas...

A etiqueta das redes sociais deveria recomendar que, ao postar, você querida leitora, filme a si mesma lendo o que você escreve. Deveria, ainda, recomendar a mais absoluta superficialidade como regra pétrea das postagens – exceto se você realmente se garante como polemista. E sobretudo que não faça postagens noturnas, se está imersa na solidão; ou se está altinha; ou pior, bêbada. E também nunca, em nenhuma hipótese faça postagens de sua vida na academia. Nem preciso mencionar bíceps e glúteos, fora de cogitação – o que serve para rapazes e moças. E filmar agachamento de costas é claro deve ser punido com enforcamento.

Pedir bom senso me parece demasiado. É melhor pedir contenção. Sobretudo porque a campanha política que se avizinha, será sanguinária. Limpar as listas eventualmente é bom também. E se você realmente não se controla vendo tanta bobagem acumulada, dê um tempo. Um tempo pra sempre, talvez.

Foto: Reprodução. 

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