Obras inestimáveis e projetos de Lina Bo Bardi e Mário Cravo: conheça o museu que fica em um cemitério de Salvador

Kirk Moreno é jornalista, assessor de imprensa e escreve para o Alô Alô Bahia. Insta: @kkmoreno.

O cemitério Campo Santo, no bairro da Federação, é o mais antigo da Bahia. Inaugurado em 1836, o local coleciona mais de 187 anos de histórias. O lugar é tão cheio de curiosidades e narrativas que também foi transformado em um museu a céu aberto, chamado de circuito cultural, que reúne mais de 200 obras de arte cemiterial inestimáveis e mausoléus imponentes dos séculos 19 e 20, alguns de grandes nomes da sociedade baiana e outros criados e assinados por arquitetos e artistas como a italiana Lina Bo Bardi e o baiano Mário Cravo.

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Para começar a visita gratuita – que pode ser feita presencialmente ou através de um tour virtual - é preciso voltar no tempo e entender a história do Campo Santo: nos meados do século XIX, o cemitério foi parcialmente destruído durante o movimento conhecido como Cemiterada, uma revolta popular que protestava contra a lei que proibia os sepultamentos nas igrejas por questões sanitárias. Somente em 1840 o local passou a ser administrado pela Santa Casa de Misericórdia da Bahia e teve o processo de reconstrução iniciado em 1841.

Em-Branco-2-Paineis-Retrato-Quadrinhos-2.pngApós saber da história, o roteiro continua com uma visita a Capela do Campo Santo, construção do século XIX dedicada à Nossa Senhora da Piedade. O templo chama atenção pelo estilo neogótico e vitrais coloridos. No seu piso, há ossuários - locais construídos para guardar os ossos remanescentes das pessoas falecidas. A construção original também foi destruída durante a Cemiterada.

Arte cemiterial

Ao percorrer o circuito cultural, os jazigos são divididos por núcleos: o do século XIX, com predominância de sepulturas feitas em mármore, em especial o mármore italiano da região de Carrara. Nesta área, as obras têm a morte representada como o fim, como algo nebuloso, obscuro. São detalhes que contam isso, como tochas voltadas para baixo, anjos e santos de devoção do falecido.

Em-Branco-2-Paineis-Retrato-Quadrinhos-1.pngJá os mausoléus do século XX se destacam por apresentar uma concepção da vida como uma passagem, a vida que continua após a morte. Neste núcleo é possível perceber a utilização de materiais como o granito, a alvenaria de pedra e o metal. Há túmulos com a coluna quebrada, que indica que o patriarca da família morreu, aquele que era tido como o sustento do lar. Outros a morte é representada como a figura feminina com a folha da ceifa na mão junto a um homem jovem, numa referência à morte prematura.

Obras inestimáveis

No circuito há muitas raridades. No núcleo do século XIX, por exemplo, chama atenção a do filho do Conde de Cajaíba – senhor de engenho de açúcar do final do século XVIII. O túmulo é ornamentado com estátua da fé, feita por um artista alemão e esculpida em um único bloco de mármore de carrara, que se destaca pela perfeição de suas formas. Devido à singularidade de sua composição, a obra foi tombada pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - como patrimônio da humanidade.

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Outro ponto do roteiro que chama atenção é o mausoléu do ex-governador da Bahia Otávio Mangabeira, que é assinado pelo artista baiano Mário Cravo em 1965. A obra traz uma estrutura moderna com hastes de metal, que se projetam sobre a sepultura onde uma planta deveria enramar, para demonstrar o desejo de falecido de “ter o seu corpo descansando a sombra”. O túmulo da família Odebrecht, projetado pela arquiteta italiana Lina Bo Bardi em 1955, também chama atenção pela construção em alvenaria de pedra, com uma porta de bronze entalhada e grande aproveitamento de espaço.

A museóloga da Santa Casa, Osvaldina Cézar, explica que, mesmo com materiais nobres, essas obras são inestimáveis por ter valor mais histórico e documental: “Elas possuem outro valor agregado, que é o de documento, de memória. Por isso toda obra de arte, todo o conjunto que tem essa representatividade na sociedade e que a gente considera um patrimônio, ela adquire esse valor inestimável, pois não tem nada que irá pagar por isso”.

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Grandes nomes da Bahia

A simbologia existente nesses túmulos também remete a vida, profissão e atuação do indivíduo na sociedade. Apesar do foco do circuito não é ser na pessoa – mas sim na a arte como expressão da memória do falecido – chama atenção os grandes nomes da sociedade baiana e o modo que eles gostariam de ser lembrado, como o professor Aristides Maltez, fundador da Liga Bahiana Contra o Câncer, que tem um túmulo em mármore com o símbolo da medicina (a folha de carvalho) e a representação da caridade (figura feminina com crianças), e Lauro de Freitas, político baiano que tem sua morte prematura representada por uma ceifa - folha de borda serrada.

Há também os mausoléus das famílias do politico baiano Antônio Carlos Magalhães, que é imponente, moderno e com a frase dita por ele "A Bahia é a razão da minha vida", e do poeta Castro Alves, que possui ao centro a caveira com ossos de fêmur cruzados, simbolizando a transitoriedade da vida. Assim também como a presença do Deus grego Morfeu, que representa o sono profundo, que pode ser vista numa alusão a morada eterna.

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O mausoléu do empresário Mamede Paes Mendonça também chama atenção. Um painel de baixo relevo conta um pouco da sua trajetória, marcada pela introdução dos supermercados na Bahia: uma figura de uma mulher, que sinaliza prosperidade, e a engrenagem, a forja e outros elementos que remetem à indústria, ao trabalho e ao progresso, além da sua santa de devoção, Nossa Senhora da Conceição, e os leões, que representa a força e a vigilância.

 “Este conjunto artístico, histórico e documental se destaca pela riqueza da sua composição simbólica e de materiais construtivos, eternizando o posicionamento da sociedade baiana do século XIX e XX diante da morte. Ao criar este circuito cultural, a Santa Casa reconhece sua importância, contribuindo para enriquecer o patrimônio cultural da nossa cidade, por meio do subsídio às pesquisas e da realização de visitas mediadas ao local, trazendo uma nova visão sobre o cemitério como espaço de diálogo e de fruição do conhecimento”, ressalta a museóloga Osvaldina Cezar.
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Foto: Kirk Moreno/Alô Alô Bahia e Divulgação/Santa da Casa da Misericórdia.

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