" O inferno, nem sempre, são os outros", de Glória Kalil sobre a morte de Clô Orozco

Nesta quinta-feira, a Moda Brasileira amanheceu enlutada com a notícia da morte de Clô Orozco, estilista fundadora da Huis Clos. Glória Kalil, sobre o assunto, se posicionou, emitindo nota reflexiva. A seguir, na íntegra:

“Quem trabalha com moda no Brasil, principalmente no centro do mundinho paulistano, já sabia de longa data pelos comentários de bastidores. A Huis Clos passava por problemas financeiros, à margem do mercado que ajudou a formar. Clô Orozco estava deprimida e abusava dos remédios. Já tentara o suicídio algumas vezes.

E o dia começou assim, hoje. Triste, desolador, doloroso. Mas não exatamente inesperado, não é mesmo?

Parece drama de existencialista. E Clô, ao batizar a marca com referência sartreana, não deixava de lado essa sua faceta. Por isso mesmo, tinha a fama de uma das mulheres mais interessantes e inteligentes de se conversar. Parece drama de existencialista, mas não é. Clô é um símbolo de muito do que anda errado na moda brasileira. Um mercado em que os veteranos lutam para se manter e a renovação é praticamente nula. Onde os mais velhos desistem e não deixam substitutos à altura. E que vai sendo canibalizado cada vez mais pelos peixes grandes. É um pouco de romantismo, pode se dizer. No capitalismo é assim, também é um argumento válido. Mas na propaganda que pede uma identidade de moda brasileira, de onde ela vem? Uma Huis Clos poderia ser um exemplo de marca que, com investimento e uma gerência de gente grande, duraria como símbolo de moda nacional, principalmente paulistana. E não só para iniciados e nos livros de história. Clô não era a única criadora da sua geração com problemas e depressões, pessoais ou financeiras. Era, talvez, apenas o elo mais frágil do grupo. E enquanto isso, a nossa moda criativa e esforçada vai definhando. Mas, de novo, isso é coisa que só discute baixinho, em jantares e bastidores. A propaganda dá conta de uma indústria brilhante, alegre e saudável. Quem desiste, se esforça para desistir sorrindo. Huis Clos, em francês, se refere a um termo sobre "discussão a portas fechadas". Talvez seja hora de abrirmos essas portas. Talvez seja essa, afinal, sua grande herança. O inferno, nem sempre são os outros.”

Foto: Reprodução.

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