6 Mar 2023
Meditação: entenda vantagens e riscos da prática a partir do budismo

Uma das principais referências do budismo no Brasil, ele vai abordar temas como pacificação e cura a partir dos ensinamentos de Buda sobre a Roda da Vida, as conexões entre a meditação, o ambiente ao redor e a vida em sociedade e o aprofundamento da prática. Em entrevista ao CORREIO, ele fala sobre os riscos, as possibilidades e as descobertas que fez praticando a meditação. Confira:
CORREIO: Todo mundo pode meditar ou há restrições?
LPS: Quando você vai dirigir um automóvel, é bom ter cuidado. Todas as pessoas podem meditar porque a meditação é um princípio muito favorável. Todas as pessoas podem caminhar, andar de bicicleta. Numa caminhada, você pode cair num buraco. Com a mente, igual. Pode ter percalço.
A meditação tem diferentes estados meditativos. A gente pode começar imaginando que ela é uma prática em que a mente fica consciente de si mesma e a partir disso conseguimos dirigir melhor nossa própria mente. Na ausência de um controle sobre a própria mente, ela pode desperdiçar muito o seu tempo, fazer coisas inadequadas. Disciplinar a mente é muito favorável e nesse sentido é muito bom poder meditar. Todos nós temos uma experiência, quando surge uma dificuldade, de modo geral, ficamos mais atentos, mais espertos. Jovens com dificuldades na escola, podem ter mais organização.
Quando estamos em silêncio, sentados retos, conseguimos ficar mais equilibrados e é mais fácil de equilibrar a mente. Respiramos de modo regular porque a respiração tem conexão com as emoções. Uma respiração afobada, afeta as emoções. Respirar calmo e longo é uma prática que, já em si, disciplina a mente. Surgindo o impulso em nós a gente se alteraria, gesticularia. Na meditação, não fazemos isso. Mantendo corpo e respiração no lugar, disciplinamos a mente. Aquilo que nos arrastaria de um lado pro outro não nos arrasta mais porque criamos uma capacidade da não obedecer impulsos.
Nessa parte, todos estamos indo muito bem, não temos problema, estamos ganhando uma liberdade. Não é necessário a pessoa evadir completamente a mente, não. Equilibramos o corpo e aqueles pensamentos percebemos que são como perturbações mentais.
CORREIO: Mas existem restrições?
LPS: Há pessoas que ficam paradas pensando que estão meditando, mas estão arrastadas por fantasias criadas pela mente. Num contexto de muita aflição, a pessoa tem imaginações agressivas, ligadas ao medo, então, não seria propriamente uma meditação, seria alguém à deriva dentro de imagens que muitas vezes são negativas e isso produz impacto sobre suas vidas. Em vez de se livrar, ela alimenta estados mentais particulares que são prisões, processos compulsivos que a pessoa vive, produzindo mais problema do que liberdade. Nesses casos, precisamos ter mais cuidado, trabalhar com alguns mantras, que são cantados mesmo, fazendo com que a pessoa encontre um estado real de paz e discipline sua mente.
CORREIO: A meditação pode trazer malefícios para quem pratica?
LPS: A meditação enquanto destino mental não traz nenhum malefício, mas a nossa mente cria todas as guerras, as aflições e adversidades. Sectarismos, divisões, inimigos. Isso é o que causa a mente indisciplinada, caótica, que é capaz de conduzir nações a grandes sofrimentos, as pessoas a opções muito definitivas e isso é um problema. A meditação mesmo é oposta a isso, nos torna conscientes de nossas loucuras, raivas, aflições
CORREIO: Como deve ser o ambiente para a pessoa meditar?
LPS: Isso vai depender da habilidade da pessoa. Quem tem muita sensibilidade e reage muito ao ambiente, achamos melhor o ambiente silencioso, calmo, equilibrado, mais próximo do perfeito. Para quem tem mais experiência, há mais habilidades e o desafio não é mais manter a mente equilibrada, amorosa e lúcida num ambiente. É manter isso no meio dos desafios do próprio cotidiano. Nesse sentido, não precisa mais um foco no ambiente, é a busca de fazer isso ao longo do dia, de manter a mente sóbria, sabendo que várias das situações mentais sofridas não são confiáveis.
CORREIO: É verdade que, para a pessoa meditar, é preciso esvaziar completamente a mente? E é possível fazer esse esvaziamento? De que maneira?
LPS: Essa é uma boa pergunta. O que acontece é que, quando vamos desenvolver essa disciplina na mente, desenvolvemos, também, especialmente, a não-resposta aos impulsos que vão surgir. Desenvolvemos uma habilidade de observar os impulsos que nos cercam, reconhecendo que não são eles a própria mente. É uma construção que surge dentro da mente. De modo progressivo, como vamos nos mantendo no estado de meditação, os conteúdos da mente surgem. A sabedoria interna começa a surgir observando a mente vazia, que já está presente em nós.
Simplificamos dizendo que vamos a um estado sem ondas na mente, mas descrição ideal não é dizer que vamos esvaziar, mas que vamos para outra dimensão.
CORREIO: Quanto tempo é necessário para uma rotina de meditação que considera adequada? E quantas vezes por dia ou semana são necessárias para meditação?
LPS: Antes de dormir, acho que a pessoa deveria ler um texto espiritual, depois deveria ficar silenciosa na sua forma, com o corpo ereto, respirando calmo e fazer uma pergunta importante para si mesmo, que surge desse silêncio. Depois a pessoa dorme. No meio da noite, ela busca a resposta para as perguntas que ela fez. É bom a pessoa meditar acordada, aprofundar a sabedoria na leitura, no fazer da pergunta e também no ambiente da noite.
Quando acordar, deveria retomar esse ou outro texto espiritual e começar o dia com uma leitura, que pode ser 10 minutos, 15, meia hora em silêncio atento, para cultivar a liberdade em relação ao que surge. Assim, a pessoa evolui muito rápido. Ela transforma a noite numa prática espiritual, e o dia também.
Também pode ser interessante ver um vídeo ou gravação de ensinamentos que temos disponíveis no nosso site. Acredito que isso leva a vida a uma mudança muito sensível. Quem quiser aprofundar pode buscar um centro de budismo para se recolher por uma semana, seis anos, três anos, um dia, dois dias.
Curso
O mestre budista ministrará cursos sobre meditação em Salvador de hoje (6) até quinta-feira (9). "Na segunda (6), temos um curso de meditação em 4 encontros, sempre à noite, às 19h, iniciando com meditação tibetana, e, às 20h, o curso de fato que vai até às 21h30. No primeiro dia, conversamos sobre relações e redes de relações que formamos no mundo, como a sociedade surge, como construir uma sociedade feliz e equilibrada e qual a visão profunda do budismo sobre esse desafio de construir uma sociedade benigna com a natureza e os seres", explica.
"No segundo dia, a meditação está em construção com a mente. O local, a sensação da experiência do mundo, nossa casa, família e como construímos isso de maneira favorável. A purificação do ambiente e dos elementos", continua Lama Padma Samten.
"O terceiro dia, será um mergulho no mundo interno. Um ambiente de psicologia budista, examinando formação de identidades, emoções, criação de certezas até sobre coisas que muitas vezes não são verdadeiras. Aquilo que constrói as aparências que nós vemos. Nessa parte, trabalhamos bem as decisões que podemos ter, intuições e várias aflições mentais como depressão, múltiplas raivas, medos, como isso se reflete sobre os jovens, no nosso tempo", diz.
"No último dia, vamos desenvolver essa habilidade do budismo de trabalhar aquilo que é real dentro de nós, que não é uma construção mental, está presente. É a meditação do aprofundamento do mundo interno, com seu aspecto crítico de cada pessoa, que o mundo não perturba", finaliza o mestre.
Onde: Auditório da Faculdade de Arquitetura da Ufba, Federação
Quando: 6 a 9 de março, das 19h às 21h30
Quanto: R$ 50 por dia ou R$180 para os quatro dias. Online: R$ 80 pelos quatro encontros
Inscrições: https://cebb.org.br/lama-padma-samten-na-bahia/
Foto: Divulgação. Também estamos no Instagram (@sitealoalobahia), Twitter (@Aloalo_Bahia) e Google Notícias.