Itaparica, Itapagipe, Itapuã, Rio Vermelho... A trajetória da Festa de Iemanjá

As ruas e praias do Rio Vermelho tomadas de gente e presentes em todo 2 de fevereiro, nos últimos anos, podem fazer parecer que a história da Festa de Iemanjá começa e termina por ali, o que está bem longe de ser verdade. 

Nas celebrações de antigamente – mais até que a dos tempos de Itapagipe –, as saudações começavam “todos os anos na Ilha de Itaparica, 15 dias antes do dia 2 de fevereiro”. É o que relata Mestre Didi no livro ‘Iemanjá e suas Lendas’, de Zora Seljan, lançado no final dos anos 1960. 

“No dia 17 de janeiro, os filhos do terreiro Ilê Abôulá, dedicado ao culto dos antepassados, se reúnem e oferecem um ossé, dádiva de Acaçá e velas para o Egum, [que termina] dando a autorização para iniciarem os festejos da Mãe d’Água, Oxum”, complementava o escritor, artista plástico e sacerdote, dando uma dimensão da longevidade dos festejos. 

Mas, como o ferry-boat da história está quebrado, vamos ficar por Salvador e saber como a celebração começou a ganhar força e notoriedade por aqui, muito antes de o Rio Vermelho desaguar no reino-mar.

Para quem não sabe, o culto ocorria com mais força na Península de Itapagipe, na Cidade Baixa, no final do século XIX. Nos primeiros anos da tradição, as oferendas eram depositadas na praia atrás das ruínas do Forte de São Bartolomeu, imediações da Ponta do Humaitá. 

“Se não há exagero nas contas de Manoel Querino, o babalorixá Ataré reunia no local até dois mil pais e filhos de santo dos terreiros de candomblé da Bahia. Era um culto clandestino e legítimo, sem nenhum sincretismo. Reverência à Mãe D’Água”, comenta o pesquisador e historiador Nelson Cadena, em artigo para o Correio*.

Com o passar dos anos, Itapagipe perdeu o protagonismo para Itapuã, que passou a ser o principal espaço geográfico do culto (a estátua da Sereia, de Mario Cravo, segue como referência por lá). O culto também chegou a ser realizado no Dique do Tororó (ainda o é para Oxum), Lagoa da Vovó, no Retiro, e até na Barra.

A imagem “oficial”, acolhida pelos terreiros de umbanda – e legitimada por Mãe Menininha do Gantois, em 1959, quando da visita de uma comitiva do Rio liderada por Joãozinho da Gomeia –, representava a Rainha do Mar com seu manto esplêndido sobre um rochedo de Itapuã, obra do artista plástico Jurandir Lima

Lembra Cadena ainda que ela já era reconhecida como Iemanjá e não mais como Janaina ou Mãe D’Água. “No Rio Vermelho, a oferenda teve origem entre 1918 e 1924, segundo a oralidade de pescadores que testemunharam o presente original. Não era uma festa, mas um culto reservado do povo de santo – para não se expor perante as autoridades – que ocorria no contexto das festividades de Nossa Senhora de Sant’Anna”, destaca o pesquisador. 

Na década de 40, o presente a Iemanjá se consolidava como um dos destaques da festa, mas a imprensa baiana praticamente ignorava. No entanto, os jornais e revistas do Sul do país, pautados por Jorge Amado e pelas músicas de Dorival Caymmi – em especial ‘Dois de Fevereiro’, popularizada na Rádio Nacional –, foram tornando a festa cada vez mais pop, atraindo personagens ilustres (destaque para o sambista Jamelão) e se configurando num presente que a cultura da Bahia nunca mais recusou.

Foto: Pierre Verger/FPV. Siga a gente no Instagram @sitealoalobahia e no Twitter @aloalo_bahia.

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