História do Casarão de Azulejos Azuis: A Cidade da Música da Bahia

Ao lado do antigo prédio da Alfandega, atual Mercado Modelo, e próximo do Elevador Lacerda, ergue-se um ícone da arquitetura da segunda metade do século XIX, uma verdadeira pintura azul repleta de janelas que agora guardam sons com história.

A Cidade da Música da Bahia, inaugurada nessa quinta-feira dia 23 de setembro, possui mais de 1.900 m² de área construída, um universo moderno com traços arrojados e pincelados pelas reproduções das cores de Genaro de Carvalho em um dos andares. A concepção do projeto foi do antropólogo Antonio Risério e a curadoria do cenógrafo Gringo Cardia, dupla que conseguiu expressar nos espaços do lugar um pouco da arte e dos sons que tão bem representam Salvador.

Para aqueles que imaginam um museu no formato antigo, ou “tradicional”, a Casa da Música da Bahia apresenta proposta bem diferente, apostando na interação dos visitantes, exibição em vídeos das vivências dos baianos e a contextualização do cenário musical ao longo do tempo na Cidade. O visual está em cena: pessoas, espaço (cidade) e músicas são então traduzidas para um espetáculo de cores nos quatro pavimentos do centenário casarão.

O casarão de Azulejos Azuis

Um visitante da segunda metade do século XIX certamente não imaginava que a antiga freguesia da Conceição, uma das mais ricas e importantes da cidade, ganharia em um dos seus casarios um espaço destinado a música, até porque a música naquele período tinha contornos bem diferentes da relevância que tem hoje. O imponente casarão coberto do segundo pavimento até o último por azulejos azuis era um dos destaques da entrada da região de comércios, em direção ao antigo Cais das Amarras, engolido com o tempo e as reformas para a construção do porto da cidade do Salvador no início do século XX. Naqueles quarteirões se desenvolveu toda uma rede de relações com o Hemisfério Sul e diversas cidades da Europa e América do Norte, onde Salvador da Bahia era uma das paradas. Mesmo perdendo destaque no cenário econômico no decorrer do XIX a Cidade da Bahia, seu porto e o Comércio, continuaram em destaque; lugar de evidências e passados impregnados em sobrados, travessas, cantos e fachadas.

É na segunda metade do século XIX que surgiu o casarão de azulejos azuis, inserido em um momento discorrido por diversos historiadores e historiadoras – como Kátia Mattoso, Consuelo Sampaio e outras, de profundas mudanças no tecido social e urbano da Cidade. De um lado as décadas seguintes a 1850 sinalizam para o arruinamento e o fim da estrutura escravista, mudanças no sentido de pensar a cidade e a sociedade, tensões, crises e diversas iniciativas de modernização e industrialização na capital, e suas regiões centrais, inseridas no quadro das ações de comércio. E é falando em comércio que o casarão surgiu voltado a essa atividade e assim ficou por décadas.


O grande destaque da fachada do imóvel são os azulejos azuis que entapetam a fachada, com desenhos que lembram rendilhados, em volta das mais de 60 janelas ogivais que dão um encanto ainda maior ao prédio, que há tempos é destaque no centro, chamando a atenção do pintor, ceramista e azulejista Udo Knoff e outros tantos. No prédio funcionou diversas empresas e escritórios, a mais lembrada foi uma das lojas do Paes Mendonça décadas atrás.  Mas também foi sede do EPUCS, no terceiro andar, o importantíssimo Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador, local por onde passou o engenheiro Mário Leal Ferreira.

Nas últimas décadas do século XX o belo prédio estava abandonado, seu interior completamente descaracterizado, mesmo com as reformas da década de 1970. E nos anos de 1990 e 2000 gradualmente o secular casarão azulejado e o Comércio foram perdendo destaque na Cidade o que levou ao arruinamento do espaço - azulejos e rebocos despencavam da fachada. Anos depois, gestão ACM Neto, os projetos começaram a se tornar realidade. Importante também destacar nesse texto a participação do ex-senador Waldeck Ornelas no processo de concepção e viabilização do restauro e transformação do sobrado na Casa da Música.


Um espaço de música para Bahia

Ao lado das igrejas, do rico patrimônio histórico da cidade, as músicas estão sempre nas lembranças sobre a Bahia. Se Caymmi, e outros tantos, encantou o mundo décadas atrás, e continua sendo referência de poesia, diversos cantores hoje cantam a Bahia em belos versos de diversidade. Além dos versos, e de toda a projeção de imagens e vídeos, um elemento na decoração de um dos andares chama a atenção dos olhares mais atentos, são as reproduções dos trabalhos de Genaro de Carvalho (1926 – 1971), mestre que deu um colorido especial na terra de Todos os Santos e Orixás na segunda metade do século XX - Genaro será tema de um texto especial aqui nessa coluna, (surpresa). O resgate do trabalho de Carvalho para mim foi um dos grandes presentes do espaço.  
 


Além de todo o colorido do espaço e da riqueza do conteúdo produzido nos vídeos e depoimentos, fica também perceptível a importância de novas ações em preservar os acervos existentes, (me refiro ao físico dos documentos e demais objetos e instrumentos musicais), relativos a música em Salvador e na Bahia. Para se chegar ao som, a música que tão bem exprime nossa terra, temos todo um passo a passo que perpassa pelo material, pelos objetos e documentos em seu entendimento mais amplo possível.

A Casa da Música da Bahia é mais um passo bem acertado que a Prefeitura de Salvador vem dando de resgate do Centro Antigo. Desde a volta de algumas secretarias municipais, a reforma do Elevador do Taboão e ao mega novo Arquivo Histórico Municipal de Salvador, que será abordado em outro texto, o bairro do Comércio aos pouco dá passos significativos para a devida valorização de sua área. Se hoje a ruína de alguns prédios, abandono de outros, contrastam com os investimentos do munícipio, governo e de privados, amanhã um horizonte de boas oportunidades podem florescer na área. Passado, presente com primorosos equipamentos, e um futuro melhor com habitações, podem vim junto com os bons sons presentes na casa que guarda parte da musicalidade baiana; sons que estão em cada cantinho de Salvador.

Foto: Elias Dantas/Reprodução. Siga o insta @sitealoalobahia

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