13 May 2023
Dia Nacional do Chef: 'servir, cuidar e ver as pessoas felizes'
"Essa elevação do status é reflexo do mundo globalizado. Isso já acontecia na Europa há algum tempo. Pelas ferramentas que temos hoje, de informação mais rápida, foi ganhando mais força. E aí, foi fortalecendo no mundo como um todo", destaca Fabrício Lemos (abaixo), à frente do Grupo e Restaurante Origem, um dos mais premiados da Bahia e entre os melhores da América Latina.
Neste contexto, o maior reconhecimento fez o profissional que comanda a cozinha ser enxergado de outra forma. "Os filmes, séries e livros colocam a função em outro patamar, nesse processo de entenderem que a nossa profissão tem um pouco de arte. Talvez, as pessoas viam a gastronomia como só comer bem e não estavam muito dispostas a entenderem os processos por trás. O chef cria, pensa, decora os pratos", reflete Ícaro Rosa, do Restaurante Jiló, com unidades em Salvador e em Itacaré.
"O único propósito de um chef era servir comida deliciosa. Quem está na profissão hoje tem que aprender a interagir com os clientes, organizar um negócio e se destacar no mercado. Os chefs viram o nome e também a cara dos restaurantes", destaca a alemã Kafe Bassi, que comanda com o marido, o baiano Dante Bassi, o Restaurante Manga, eleito pela Prazeres da Mesa o Melhor do Nordeste.
Ela ganha coro de Massimo Cremonini, para quem o chef virou um personagem. "Ninguém queria ver ou conhecer o chef, ninguém sabia quem era. Hoje, não! O chef é a figura emblemática do restaurante, tem que passar na mesa, precisa conversar com os clientes...", concorda o italiano, dono do Cremonini Ristorante.
Essa elevação de status, além de aumentar a responsabilidade, trouxe mais pressão e uma glamourização por vezes excessiva. "Trouxe uma visibilidade muito importante pra profissão, mas uma responsabilidade também muito grande", reforça Peu Mesquita, que comanda o restaurante Pepo. De acordo com ele, com a expectativa maior, cresce também o nível de cobrança. Neste cenário, o ambiente da cozinha pode pesar.
"A vida real de um chef está longe de ser mostrada na TV. Cozinha é lugar de stress, foco, muito peso", pondera Tereza Paim, do Casa de Tereza e umas das grandes representantes da Bahia fora do estado.
A pressão psicológica no dia a dia de um chef é real e casos como de depressão não são tão incomuns. O livro "O Perfeccionista", do jornalista Rudolph Chelminski, por exemplo, conta o caso do chef Bernard Loiseau, que chegou a ganhar três estrelas do guia Michelin, a mais alta distinção da culinária mundial. Agraciado com o título da Legião de Honra da França, chocou o mundo gastronômico ao cometer suicídio em 2003.
"É uma profissão que acaba tendo um desgaste psicológico muito grande, porque a gente tem que lidar com uma série de coisas, principalmente a pressão da entrega, isso só vai aumentando. Em um bom restaurante, as pessoas te cobram mais e mais e mais, e a gente vai mergulhando nesse universo. Acaba comprometendo a nossa saúde, isso de superar expectativas. É muito difícil", confessa Fabrício, que divide as responsabilidades com a esposa, a chef pâtissier Lisiane Arouca. "Dividir a cozinha com Lisi é algo que me conforta, porque há um complemento", celebra, lembrando a parte boa da jornada.
No caso dos chefs entrevistados, todos donos dos próprios estabelecimentos, há ainda a pressão financeira, em um mercado que nem sempre é rentável como se imagina. "Existe também o desgaste pra manutenção do negócio. É difícil empreender no nosso país. As cargas tributárias são muito grandes, a margem de lucro é muito baixa, o risco é alto e, aí, a gente passa o tempo todo alerta", explica Fabrício.
Além do glamour, o prazer
Existe beleza, no entanto, neste universo, claro. E a data vale ser celebrada da melhor forma: comendo bem e esbanjando sorrisos! Foi unanimidade entre os chefs, inclusive, o prazer que sentem em cozinhar para outras pessoas e notar a satisfação delas. "A alma de um cozinheiro veio pra servir, cuidar de gente e ver as pessoas felizes. Comer é uma das atividades que mais gera prazer, encantamento. E quando conseguimos isso com nosso público, estamos felizes", resume Tereza.
"O que eu amo na profissão é exatamente isso, receber pessoas para comer, se juntar, ser um ponto de encontro", diz Kafe. Ícaro pensa da mesma forma e destaca a doação por trás da sua função na cozinha. "O que eu mais gosto é de cozinhar pra pessoas curtirem, gostarem da comida, terem prazer. É uma dedicação pelo prazer do outro", reflete.
Prêmios? Claro que são válidos e bem-vindos! Mas, alguns são muito mais importantes, como destaca Peu. "Eu acho que o maior mérito que um cozinheiro pode ter é quando o cliente vai jantar no restaurante e vai almoçar no dia seguinte, sabe? Isso, pra mim, é extremamente gratificante, saber que estou fazendo um bom trabalho, que não é só cozinhar, mas saber receber também", reforça.
"O que eu mais gosto é a sensação de ver o cliente comer e fechar os olhinhos e dizer 'nossa, que legal'. Eu observo da cozinha e vejo as reações e os feedbacks", comenta Fabrício, que celebra a força do seu trabalho na mudança de alguns hábitos alimentares de clientes. "Eles começam a enxergar a comida não só como preencher a barriga. Essa é a parte bacana", analisa.
Se gosta, aposte
Com o crescimento do mercado como um todo, vêm crescendo também a procura por cursos de gastronomia. Os chefs, no entanto, alertam que só o status não vai garantir um caminho saboroso na área.
"Se você não gosta, não tem como entrar nessa profissão. É muito sacrifício, é domingo, é feriado, é toda noite. Então, tem que gostar, tem que amar. É isso que eu faço e eu gosto. Eu amo!", confessa Massimo.
Entender os percalços naturais da função, como em qualquer outra, é a dica de Tereza. "Pra viver com leveza, precisamos ter consciência de que nada é perfeito e toda jornada tem altos e baixos. Vale mesmo é dar o melhor de si todos os dias", orienta.
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Fotos: Reprodução/"O Urso", Leonardo Freire (Fabrício e Lisiane), Elder Almeida (Peu Mesquita) e Divulgação.