Conheça escola antirracista em Salvador que é a primeira do país a adotar educação afro-brasileira

Os nomes nas portas das salas de aula já indicam que não se trata de uma escola como todas as outras. “Civilização Asteca”, “Reino Daomé” e “Império Maia” são alguns dos termos que intitulam as séries que vão do Ensino Infantil (Grupo 2) ao Ensino Fundamental I (5º ano). Com o objetivo de se afastar de um modelo de educação eurocentrado e potencializar a memória dos povos africanos e indígenas, a Escola Maria Felipa, que fica em Salvador, é a primeira afro-brasileira do país registrada em uma secretaria de educação. O Alô Alô Bahia foi atrás dessa história. Confira:

“Grande parte das escolas do nosso país, quando vão relatar as memórias ancestrais do nosso povo, coloca pessoas negras numa ancestralidade escravizada, pessoas indígenas numa ancestralidade incivilizada, e pessoas europeias brancas numa ancestralidade brilhante. E isso forma subjetividades. Crianças brancas tendem a entender que o mundo é só delas e crianças negras e indígenas tendem a achar que são menores”, explica Bárbara Carine, sócia-idealizadora do projeto. 
 
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Seguindo um modelo trilíngue com português, inglês e libras, a Maria Felipa teve em 2019 seu primeiro ano letivo, surgindo a partir de uma demanda e sonho de Bárbara, ao se tornar mãe de Iana por meio de um processo de adoção. 

“Desde o momento do deferimento do cadastro da adoção, eu me perguntava onde ela iria estudar porque eu sabia que as escolas colocavam pessoas negras e indígenas numa condição de subalternidade e eu não queria que a minha filha tivesse esse tipo de currículo escolar. Eu sabia que o continente africano foi o berço da humanidade, que os primeiros humanos surgiram em África; que os primeiros reinos, civilizações, a ciência, a filosofia e a política surgiram no continente africano”, conta Bárbara. 
 
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O nome escolhido casa bem com a proposta. Maria Felipa foi uma heroína da independência do Brasil na Bahia que acabou tendo sua história apagada. Descendente de sudaneses escravizados, ela liderou um grupo de 200 pessoas nas batalhas contra os portugueses que atacaram a Ilha de Itaparica. “O nosso intuito em nomear a nossa escola com a sua graça é de homenagear esta grande mulher negra que nos ensinou o valor da resistência e do combate por meio da organização do seu povo, do pensamento estratégico e quilombola”, diz o site da instituição.

A proposta, como destaca Bárbara, não é receber apenas alunos negros ou indígenas e nem mesmo ignorar uma parcela das histórias contadas: “Ensinamos a partir de uma centralidade africana. Não estamos negando o que os outros fizeram de nós, mas estamos também dizendo nós mesmos o que nós somos”. Maju Passos, sócia-gestora da escola, é mãe de Ayo, um menino lido socialmente como branco e reforça que a Maria Felipa é para todos. 

“Muita gente pergunta se a escola é só para negros e eu respondo que não. Meu filho é uma criança lida socialmente como branca e foi justamente na busca de um espaço que ofereça o que eu considero de melhor para o meu filho que eu me aproximo da Maria Felipa. O Ayo precisa aprender que ele não é o centro do mundo; ele é uma potência, mas todas as outras crianças também são. Para mim, não existe outra forma de existir se não compreendendo nosso lugar no mundo, assim como não há nada mais enfraquecedor para o indivíduo do que ele achar que é melhor ou pior do que outro”, coloca Maju. 
 
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(Da esquerda para a direita, Ayo, Maju, Iana e Bárbara)

Atualmente, a Maria Felipa tem 82 alunos matriculados, sendo 19 deles bolsistas integrais. Sobrevivendo de mensalidades e doações que permitem a contemplação de um público mais amplo, anualmente a escola abre editais para a seleção de crianças negras e indígenas em condição de vulnerabilidade social. 

“Nossa mensalidade custa, em média, mil reais. É uma escola que, obviamente, para grande parte da população negra de Salvador é impensável porque, infelizmente, grande parte da nossa comunidade vive apenas com um salário mínimo. Mas, diante dos custos das escolas bilíngues e trilíngues da nossa cidade, a Maria Felipa está muito abaixo do ponto de corte de mensalidade”, pontua Bárbara. 

A sócia-idealizadora ainda destaca a importância, para o cumprimento da proposta, de receber professores e profissionais no geral que tenham letramento racial. Trata-se da habilidade de compreender como as questões raciais estão inseridas na sociedade. Segundo Bárbara, não é fácil encontrar pessoas capacitadas nesse sentido. 
 
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“No início, a gente contratava pessoas mesmo sem letramento racial e a escola ia formando e capacitando esses profissionais. Isso porque, apesar do ensino de cultura e história africana e indígena ser lei [10.639 e 11.645], muitas universidades não cumprem e os professores saem da formação sem esses conhecimentos. Hoje, já buscamos contratar profissionais com algum entendimento dessa realidade social e aí a gente segue na capacitação continuada para toda a equipe da escola na verdade, não só professores”, explica. 

Nos planos para o futuro da instituição, Bárbara e Maju pretendem ampliar o projeto, levando uma filial para o Rio de Janeiro em 2025. A Escola Maria Felipa fica na Rua Comendador José Alves Ferreira, número 60, no bairro do Garcia. Para ajudar com doações, basta acessar a campanha “Adote um/uma educande”, através do site.

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Fotos: Reprodução/Instagram e Nti Uirá/Divulgação.

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