Conheça enfermeira e escritora que une paixões ao cuidar de idosos

Com informações do Correio24Horas

Carolina Cerqueira para Jornal CORREIO.

A casa da avó Maria era o lugar preferido de Adriana Freitas, hoje com 50 anos, durante a infância. Era por lá que a menina - filha de uma professora e um representante comercial - passava boa parte dos dias, enquanto seus pais trabalhavam. Maria penteava os cabelos da neta, se rendia às brincadeiras e contava muitas histórias. Mesmo voltando para casa, ao final do dia Adriana corria de volta para os braços da avó só para que as duas pudessem dormir juntas.
 
Foi com Maria que Adriana aprendeu a ser cuidada e a querer cuidar. A relação das duas reflete a trajetória construída. A menina de Feira de Santana que adorava estar com a avó, mergulhar em livros e escrever poemas, virou enfermeira e escritora. Agora, fez suas duas paixões se unirem através da biblioterapia, que utiliza a leitura como ferramenta de cuidado. O que ela lê para os idosos é ela mesma quem escreve.
 
O contato com a literatura - adormecido na vida de Adriana devido às leituras acadêmicas do mestrado, doutorado e seguidas especializações - foi resgatado por suas duas filhas. Quando as meninas começaram a ler, Adriana se viu entristecida com a forma através da qual os livros retratavam os idosos. Seguindo estereótipos, eles eram recheados de senhoras de cabelos brancos presos em coques sentadas em cadeiras de balanço. Isso sem contar a infinidade de diminutivos. Foi então que, em 2016, a enfermeira decidiu escrever seus próprios livros.
 
Eles são hoje seu mais poderoso recurso, utilizado em rodas de leitura que Adriana promove, voluntariamente, em uma instituição de longa permanência. Com desenvoltura e habilidade, a enfermeira faz com que os idosos interajam, abram seus corações e criem laços afetivos com aqueles que, apesar de conviverem todos os dias, muitas vezes nunca tiveram uma conversa. Engana-se quem duvida da capacidade curativa da leitura.
 
 
" Tinha uma senhora que nunca participava das rodas, mesmo eu já tendo insistido diversas vezes. Até que um dia eu levei um material de pintura para uma atividade artística, ela viu e me pediu que pintasse um sapato seu. Eu fiz isso e foi o suficiente para que ela já mudasse de ideia e passasse a frequentar as rodas. Foi se soltando aos poucos, até começar a interagir".
 

Adriana também lê para hospitalizados, contando com a ajuda dos chamados ‘prontuários afetivos’. “Eu e mais cinco alunos fomos cuidar de uma idosa e o prontuário afetivo dela indicava sua música preferida. Nós fizemos uma leitura e colocamos a música para ela ouvir. Na letra tinha a palavra ‘barco’ e isso fez ela contar diversas histórias da época em que passeava. Ela se emocionou muito e no final fizemos juntos um barquinho de papel”, lembra a enfermeira.
 
Mesmo na posição de quem tem a oferecer, Adriana não escapa do clichê de que "quem doa também recebe em troca". As histórias por ela contadas ativam nos idosos memórias da juventude e os fazem compartilhar suas próprias histórias de vida. 
 
"Uma vez, levei para eles um livro que eu escrevi sobre uma menina que queria ser velha. Uma senhora achou o pensamento absurdo e falou diretamente para mim: ‘Aproveite a juventude porque ela passa. Saia, namore, passeie. Não porque o velho não pode fazer isso, mas porque as pessoas acham que o velho não pode fazer’. Aquilo me marcou muito e provocou uma reflexão enorme dentro de mim".

Apesar de cuidar de tantos idosos, Adriana não teve a chance de estar grudada com a avó já durante a velhice como esteve décadas atrás, mesmo que as duas tenham por muito tempo morado juntas em Salvador. A enfermeira se mudou para a capital baiana – para onde sua avó Maria já havia migrado pouco tempo antes – quando encontrou sua primeira oportunidade de trabalho: uma vaga como professora substituta na Ufba.
 
A rotina diária foi cruel com Adriana. Sua profissão exigia plantões. Aliadas a isto estavam as aulas que ministrava. Não havia tempo para estar ao lado da avó como gostaria. Nos instantes que tinha, gostava de acompanhar as leituras da Bíblia que Maria fazia. “Era o livro que ela gostava de ler”, lembra a neta.
 
Hoje, escritora e especialista em biblioterapia, Adriana lamenta não poder ler para a própria avó, já falecida, mas a conforta a possibilidade de ler para as avós de outras pessoas, retribuindo de certa forma o cuidado que recebeu de Maria na infância.
 
Foto: Marina Silva/CORREIO.

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