Conheça a história do Glauber Rocha: o cinema da cidade do Salvador

Praça Castro Alves, sem o Teatro São João. Com o Palace Hotel, Hotel Meridional, Prédio do Jornal A Tarde e o Cine – Teatro Guarany. Postal década de 1930. 

Parte da diversidade cultural baiana, tão lembrada no Brasil e mundo, pode ser sentida nas ruas da cidade do Salvador e especialmente no Centro Histórico. Nesse espaço carregado de história e cores destaca-se um ícone da vida cultural soteropolitana, lugar que homenageia um dos maiores nomes da sétima arte no Brasil, o cineasta Glauber Rocha. Nessa quinta-feira, 16 de setembro, foi anunciada a notícia do fechamento do Cinema Glauber Rocha pelo Banco Itaú. Nos últimos anos o Glauber, como era carinhosamente chamado, representava um dos mais importantes locais de encontros e da vida cultural no Centro Antigo da cidade. Mesmo sem o apoio do Itaú, Cláudio Marques e o sócio Adhemar Oliveira, responsáveis pelo espaço, afirmaram que tentarão manter o cinema vivo. Depois da tempestade da notícia é importante falar um pouquinho sobre a história do espaço e como ao logo de décadas o cinema virou o Glauber, o cinema de Salvador.  

Lugar de encontros

O Glauber está localizado em uma região de encontros, desde muito tempo atrás, antes do cinema existir. No passado era local de ocupação tupinambá, nos séculos XVI e XVII a região ficava na frente de uma das entradas para a cidade murada, então capital da América Portuguesa, onde fora instalada uma forca, segundo o engenheiro Caldas em seu prospecto, do século XVIII. Depois virou largo da Quitanda, Largo do Teatro, próximo de “cantos” das comunidades afro-baianas e finalmente Praça Castro Alves em homenagem ao poeta. No local e arredores durante o século XIX, existiram pousadas, cafés e até mesmo um pavilhão neoclássico em homenagem a visita de D. Pedro II em Salvador nos anos de 1850, onde hoje está o Cinema. A partir da segunda metade do XIX hotéis (como o Grande Hotel Paris e o Sul Americano), agremiações como a “Recreativa”, estúdios fotográficos, (como as dos fotógrafos Gaensly e Lindemann), cassinos e sedes de Jornais (Diário da Bahia e posteriormente o Jornal A Tarde, Hoje Hotel Fasano) tornaram-se destaque.
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Pavilhão em homenagem a Pedro II. Localizava-se onde hoje está o Cinema Glauber Rocha / Salvador Bahia. No fundo as torres e o frontão da Igreja da Barroquinha. L'Illustration Journal Universel. 1859

No século XX, passando pela Belle Époque, a região ganhou o Palace Hotel (inaugurado em 1934 na Rua Chile, (hoje Fera Palace Hotel), conhecido por seu casino e salões com bailes de carnaval; o Hotel Meridional (Já demolido), lojas como a Sloper, Duas Américas, sorveterias e bares como o “Varandá”; ícones do cenário de comércios, festas, artes e movimentações culturais. Os bustos de Dodô e Osmar e a estátua de Gregório de Matos, na frente do Glauber, são outras lembranças de representantes de uma Bahia poética (na colônia) e carnavalesca (na república).

Na direção norte destacam-se a Rua Chile, Praça Municipal, Terreiro de Jesus, Largo do Pelourinho - durante séculos o centro nervoso, comercial, político cultural, religioso e residencial da cidade. Na direção Sul os caminhos para a Avenida Sete de Setembro, Campo Grande e Barra - áreas centrais de comércio, residências e referências no trajeto do carnaval todo ano. Nos arredores, de frente ao cinema, a famosa Praça Castro Alves (onde ficava o antigo Teatro São João inaugurado em 1812) e a Baía de Todos os Santos. Do outro lado a Baixa dos Sapateiros com a Igreja da Barroquinha (do século XVIII), local representado na música cantada por Caymmi, Ary Barroso, Gal Costa e tantos outros. O cinema ao longo do século XX virou um marco urbano na cidade ao lado do Elevador Lacerda, igrejas e casarios. Era e é um dos maiores sinônimos de lugares de encontros como podemos ver.

O Cinema: de Guarany a Glauber

Antes de ser Cinema Glauber Rocha tínhamos um belo prédio eclético que foi um dos marcos da modernidade na cidade no início do século XX. Nasceu como cinematógrafo e teatro inaugurado em 24/12/1919 com o nome de Kursaal Baiano, (em outro momento falarei mais) com capacidade para 1200 pessoas; a frente estava o arquiteto Filinto Santoro. Era ali que peças, filmes e demais eventos, instigavam a imaginação de moças e moços em uma época em que o preto e branco dominava as telas, juntamente com o glamour dos anos 20 e 30. Depois recebeu o nome de Cine Guarany, em 1920, e nas décadas seguintes, anos 50, passou por mudanças ganhando uma nova fachada e interior, com novas salas e acabamentos. Foi nesse cinema que grandes filmes foram lançados, especialmente depois da reabertura em 1955; com a pré-estreia de Redenção do cineasta Roberto Pires em 1959.
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Antiga fachada eclética do Guarany.

Só na década de 1980 passou a ser conhecido como Glauber Rocha, uma homenagem ao cineasta que entre tantos filmes nos legou “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Terra em Transe” e “Barravento”. No interior do espaço ainda hoje podemos ver o importantíssimo mural em esgrafito sobre reboco fresco, de 1953, do artista plástico Carybé, que também assina o belíssimo painel, na entrada da Rua Chile / Edifício Bráulio Xavier.

O Guarany / Glauber também esteve inserido em uma região com outros cinemas: Tupy – foyer decorado com painéis de Juarez Paraiso, Excelsior e Cine Teatro Jandaia – ambos belíssimos exemplares em Art Déco; Cine Bahia, Cine Art, Pax entre outros.

Fechado no final da década de 90 o Glauber só foi reinaugurado em 2008. De lá para cá se tornou o principal lugar para ver o por do sol na cidade, assistir filmes, tomar um café e passar na livraria (adorava fazer isso). Atrelado a toda essa importância ao longo dos anos 2000, o cinema ajudava a dinamizar, ocupar e movimentar o centro antigo, dia, tarde e noite, trazendo ainda mais beleza a um lugar que é lindo, mas que na época estava sem a devida ocupação. O antigo Cine Guarany / Glauber Rocha sempre foi referência na cidade.
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Mural de Carybé. Cinema Glauber Rocha.


Fragmentos de histórias

O prédio em si está carregado de fragmentos de tempo e lembranças. Desde os nomes do cinema, ao traçado moderno da fachada e interiores com obras de arte, e parte da antiga estrutura com detalhes ecléticos, que pode ser vista nos fundos ou no caminho para o terraço. Prédio e cinema, Centro Antigo e Salvador, cumpriram bem sua função de encantar a todos com sua arte ao longo de tantos anos. Toda comunidade baiana, amante da arte e do Centro de Salvador, lamenta a notícia do fechamento. Uma perda para a cidade, cidadãos e uma lacuna em uma história repleta de emoção desde épocas em que se assistia predominantemente em preto e branco. Esperamos que o colorido volte as telas do Glauber.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

Fotos: Divulgação. Siga o insta @sitealoalobahia
 

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