Chefs estrangeiros falam dos 'sabores' da Bahia: 'aqui é melhor que qualquer outro lugar'

José Mion é jornalista, assessor de imprensa, apaixonado por Gastronomia e escreve para o Alô Alô Bahia.

"Tudo na Bahia faz a gente querer bem; a Bahia tem um jeito", canta Caetano Veloso em "Terra". E tem um jeito mesmo, que pode até ser naturalizado pelos próprios baianos, mas nunca deita na conformidade no discurso de quem escolheu viver no estado. É como fica óbvio na conversa que tivemos com 5 chefs estrangeiros que, por diversos motivos, errantes navegantes ou não, vieram parar aqui, na terra onde começou a Independência do Brasil.

"O que mais gosto da Bahia são as pessoas. Me senti abraçado desde meus primeiros passos aqui. Não foi sempre fácil e tem suas dificuldades no dia a dia, mas sentir esse calor faz muita diferença", destaca Aurélien Roche, chef do Jabú Restô & Bar, no Rio Vermelho, nesta véspera do 2 de julho.
 
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O francês, que chegou à Bahia em 2010, depois de passar por Belo Horizonte, ainda ficou 4 anos em Itacaré, onde foi chef do Txai Resorts, antes de vir à capital. No litoral, diz ter aprendido a maioria das receitas de comidas baianas, quase se naturalizando. "Hoje, me sinto baiano de verdade. Abracei totalmente a cultura local", celebra o chef, que comanda o espaço ao lado do mixologista e sommelier Thomas Pivetta, também francês (acima, à direita).

Esse senso de pertencimento é bem comum na fala dos chefs, que elevam até para o esotérico a chegada à Bahia. É o caso do belga Laurent Rezette, à frente da cozinha do tradicional Chez Bernard (foto abaixo), que completa 60 anos neste mês de julho.

"Quando eu cheguei aqui, tinha essa atração muito forte, como se fosse pra encaixar as peças. Me sinto em casa, uma casa adotiva, mas minha. Quando eu viajo pra fora da Bahia, que eu volto e passo por aquele bambuzal, entro na Paralela, eu realmente tenho esse sentimento de 'ah, finalmente de volta pra casa'", poetiza o chef, que reforça o acolhimento que o estado oferece como facilitador nos momentos difíceis.
 
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"Quando eu cheguei aqui, não foi fácil, tive que me reinventar, me reformular, abrir a mente. Eu tive a sorte, a grande sorte, de ser muito bem acolhido e as pessoas me adotaram", relembra o simpático cozinheiro, que diz ter chegado aqui com um chamado. "Eu tive esse chamado quase que espiritual. Sabe quando você tem certeza que não está no lugar e que tem outro lugar que está lhe chamando? Realmente, foi um um chamado muito forte e eu decidi dar esse salto e recomeçar do zero", conta.

Falando em começar do zero, deixando tudo para trás, o casal de argentinos Gonzalo Rojas e Irene Lapuente é um perfeito exemplo. À frente do Andina Cozinha Latina, no bairro da Graça, eles chegaram na Bahia por indicação de um amigo. Depois de passar por diversos restaurantes de prestígio em sua terra natal, o chef Gonzalo sentia falta apenas de ter o seu próprio restaurante. 

Antes de correr atrás desse sonho, uns dias de férias em Morro de São Paulo com a companheira escondiam esse desejo de recomeço, mesmo num destino desconhecido. De lá pra cá, já são 10 anos e, neste sábado (1º), o restaurante, que começou no distrito da Ilha de Tinharé, completa 8 anos, com festa, claro.
 
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O hermano destaca a diversidade da Bahia como uma das suas maiores qualidades. "A Bahia é um país e tem tudo, né? Tem montanha, sertão, tem praia, tem pessoas de muitos países. Muita gente morando aqui e essa cultura vai se misturando. A Bahia tem um potencial muito grande, 
é realmente um lar incrível
", diz.

E lar é onde escolhemos criar laços e raízes, mesmo com a saudade do que deixamos, como aconteceu com a alemã Kafe Bassi, confeiteira premiada do Restaurante Manga, no Rio Vermelho. Ela é casada com o baiano Dante e se conheceram em São Paulo, quando trabalharam no D.O.M., de Alex Atala. A primeira vez dela na Bahia foi ainda como namorados, nas férias de Natal na casa da família dele, em Salvador.

"Nas duas semanas (que passei aqui), a família me apresentou à maioria dos pratos típicos, tours na cidade, passeio de escuna e ainda fomos passar 3 dias em Itacaré. Foram férias no paraíso mesmo, difícil de não se apaixonar!", conta. A vinda ao estado, no entanto, não foi algo tão "mágico", apesar de especial. "Quando decidimos que queríamos abrir o nosso próprio restaurante, sinceramente, a decisão pela Bahia foi mais por causa do suporte da família", explica.
 
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Apesar de sentir que seu restaurante, um pouco à frente do tempo da Bahia, talvez seria mais valorizado em São Paulo, o sorriso sempre  largo no rosto não esconde que ela é feliz aqui e não vê a criação dos quatro filhos, um deles ainda na barriga, em outro lugar. "Me sinto muito feliz morando aqui. Tem momentos que sinto saudades da Alemanha, mas cada vez mais eu percebo que é pela minha família lá do que pelo lugar em si", reflete.

Foi a família e o coração que trouxeram à Bahia também o indiano Vishnu Vamshi. Ele estava quietinho na agitada Londres, onde atuava como profissional de recrutamento e seleção de grandes companhias internacionais, até vir ao Brasil, em 2014. Em Salvador, conheceu a esposa, com quem se casou, na Índia, em 2019, antes de se mudar de vez pra cá. 

"A Bahia é um estado lindo, o mais lindo e acolhedor que já estive no Brasil. O calor humano do baiano é semelhante ao da Índia. As cores vibrantes da cidade e o gosto por comida bem temperada, e às vezes apimentada, me fazem sentir mais perto da minha terra natal", revela o cozinheiro, que, inicialmente por necessidade, abriu o Vishnu – Culinária Indiana, no Rio Vermelho, onde apresenta aos baianos a comida de seu país de origem, com algumas adaptações, claro.
 
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"A maior influência que a minha culinária sofreu (na Bahia) foi a redução drástica na quantidade de pimenta para adaptação do paladar. Mas, muitos ingredientes que usamos naturalmente na culinária indiana fazem parte da culinária baiana, como cominho, alho, gengibre, cravo, canela e açafrão", conta o chef, que, na dificuldade de encontrar a semente de papoula, muito popular na sua comida, achou no grão do amaranto um grande substituto, "muito mais saudável", segundo ele.

A influência da Bahia é inegável nas escolhas de todos os chefs. Do pimentão à pimenta de cheiro, na comida de Aurélien, as descobertas são várias. "Acho o aroma desses ingredientes fenomenal. Amo esses ingredientes inocentes, que não são considerados nobres, mas, para mim, são os mais nobres, pois são a coluna vertebral da cozinha", conta.

"Quando você viaja pela Bahia, vai conhecendo outros ingredientes, outras formas de tratar a comida. Não tem jeito, realmente minha cozinha, hoje em dia, está muito influenciada pela Bahia", revela Gonzalo, que encontrou as mais variadas formas de usar o leite de coco em sua comida moderna e, claro, o dendê. "É um ingrediente super versátil, que utilizo em vários pratos. E é incrível como método de conservação. Então, cada vez estou estudando mais ele, aprendendo mais pra utilizar em mais produtos. Realmente, sou apaixonado e sobretudo quando você sente o cheiro do dendê, da baiana cozinhando, é incrível", derrete-se.

Falando em frutos, sapoti, mangaba, seriguela e jambo são alguns que Kafe já usou na sua premiada confeitaria. "Depois de quase 5 anos de restaurante, ainda encontro frutas daqui que não conheço", conta a chef, que diz serem infinitas as possibilidades proporcionadas pela diversidade da Bahia, que vai além da cozinha e passa pela "bagunça" nas ruas.

"O que mais gosto na Bahia? A magia, sem sombra de dúvida, essa coisa quase esotérica da vida, essa energia, essa bagunça, tem nada mais triste que uma cidade toda alinhada. Aqui toda hora é um formigueiro, você não pode ficar parado", conta Laurent, que diz se sentir vivo aqui. "É um centro de todas as energias. É difícil explicar, mas tá tudo em movimento aqui. Aqui é muito melhor que qualquer outro lugar", sentencia.

Fotos: Reprodução/Redes Sociais, Elias Dantas/Alô Alô Bahia (Laurent Rezette) e Leonardo Freire (Kafe Bassi).

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