Bibliocicleta: conheça projeto baiano de biblioteca itinerante que distribui livros para crianças carentes

Tubo de pvc, lona de banner reaproveitada, cola de tubo e lacres de nylon. Assim surgiu, em 2009, a Bibliocicleta, uma biblioteca itinerante sobre as duas rodas da bike do artista e designer Augusto Leal, hoje com 36 anos. No comando do veículo, ele sai pelas ruas de Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, distribuindo livros gratuitamente para crianças e adultos. 

Por conta da pandemia, o projeto estava suspenso e foi retomado há cerca de um mês. Os principais locais escolhidos como parada são as praças. “As crianças geralmente ficam curiosas, veem a bike colorida, aí eu vou colocando os livros e elas vão se aproximando naturalmente.Quando a primeira chega, aí já foi, vem todo mundo”, conta Augusto. Mas nem sempre foi assim; a recém colocada placa de “livros grátis” fez toda a diferença. 

“Identifiquei que muitas crianças achavam que eu estava vendendo os livros porque estão acostumadas a tudo ser pago, mesmo na rua, no espaço público. Então eu passei a usar uma plaquinha escrito ‘livros grátis’, que ajudou muito a quebrar uma barreira que se formava”, explica o autor do projeto. 
 
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Muito mais do que a promoção de doação de livros, o projeto, segundo Augusto, promove interações e trocas e, claro, fomenta a cultura numa localidade tão carente desta. “Outro dia uma moça se aproximou e contou que lê para a filha desde a gravidez, falou o quão importante a leitura é para a relação das duas. Ela lembrou de um espaço cultural que frequentava na infância e que agora está em ruínas e lamentou a falta de incentivo à cultura na cidade”.

Como tudo começou

O sonho de Augusto e seus amigos era mesmo construir um centro cultural em Simões Filho, mas, sem recursos financeiros para realizá-lo, o que deu mesmo para fazer por ora foi uma biblioteca comunitária, montada numa casa emprestada a partir da arrecadação de livros na comunidade. Para a tristeza do grupo, o dono da casa logo precisou tomá-la de volta e os meninos se viram cheios de livros e sem um lugar para recebê-los. 

“Foi aí que eu pensei numa biblioteca itinerante. Pesquisei várias referências, inclusive na Europa. Tinha com ônibus, caminhão e até jumentos. Eu tinha uma bike em casa, então decidi fazer com ela. Eu desenhei, fiz o projeto, construí e comecei a operar. A Bibliocicleta foi, inclusive, meu trabalho de conclusão de curso na faculdade de Design, na Ufba”, conta Augusto. 
 
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O projeto, então, foi crescendo e chamando a atenção das pessoas. “É algo diferente, um projeto super legal e simples ao mesmo tempo, então isso gerou interesse nas pessoas”, diz. Ele logo passou a receber diversas doações de livros e até a ser chamado para dar entrevistas para jornais e palestras na Bahia e também fora do estado. 

Em 2010, o projeto representou a Bahia na Mostra Novíssimos da III Bienal Brasileira do Design e, no ano seguinte, ficou entre os trezentos finalistas do IF Concept Award. Em 2011, a Bibliocicleta foi contemplada por um projeto de patrocínio cultural. Com o dinheiro, Augusto passou a ministrar oficinas em bairros de Simões Filho ensinando as crianças a construírem uma bibliocicleta para poderem replicar o projeto. 

O poder da leitura

Para Augusto, a premissa de que crianças carentes não têm interesse e apreço pela leitura ou por outras experiências culturais não é válida. “Existe a falta de oportunidade. A gente não pode desejar aquilo que a gente não conhece, que não acessa. Num dos finais de  semana que eu fiz agora foram 50 livros doados. Se não houvesse interesse, as pessoas não teriam pego. Esse é um discurso desconectado de muitas realidades”, coloca. 
 
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Grande amante da leitura desde a infância, Augusto reconhece seu privilégio de ter tido incentivo por parte de sua mãe e acesso aos livros. Agora, com a Bibliocicleta, quer proporcionar esse acesso a outras crianças da sua comunidade e confessa se emocionar com os resultados. 

“A leitura para mim foi transformadora. Por meio dela eu tive meu primeiro contato com produções artísticas. Para mim, a leitura é acesso. Você descobre novas possibilidades de vida, um livro pode criar desejos, interesses a partir do acesso a coisas que o leitor nem sabia que existiam”, destaca Augusto. 

Numa das oficinas de replicação da Bibliocicleta, Augusto pode ver o resultado ainda mais amplo se sua iniciativa. “Os meninos estavam mostrando muita empolgação em fazer todo o processo, que vai desde o desenho, a medição, a separação de materiais e a montagem. Eles falavam ‘nossa, eu estou me sentindo um engenheiro, um arquiteto’ e isso foi muito bom de ouvir”, conta Augusto. 

Agora, o designer e artista alimenta o desejo de retomar as oficinas de replicação e levar o projeto para outras cidades e estados como uma tecnologia social. As doações de livros para a Bibliocicleta podem ser combinadas a partir do perfil no Instagram @augustojleal.


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Fotos: Diney Araujo/Divulgação

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