30 Jan 2017
A prisão de Eike, o mister X
Filho do ex-ministro e ex-presidente da Vale, Eliezer Batista, Eike Batista fez fortuna vendendo projetos inexistentes e criando possibilidades de network dentro da classe alta, ansiosa por novos negócios e, claro, por mais e mais dinheiro.Quem quisesse encontrar Eike, bastava procurar onde os magnatas estavam. Eike nunca perdeu um minuto do seu tempo com quem não tivesse poder. Certa feita, um empresário baiano tentou se aproximar dele, mas não conseguiu. Foi posto em “ banho maria”. Para não ser injusto era um jogo de “truco”; disputavam quem era o mais enrolado. Outro empresário, também baiano, chegou a fazer uma parceria com o ex-marido de Luma Oliveira. Este, mais esperto, sempre alertou que um dia o castelo de Eike iria desabar e o deixou navegar sozinho. Muitas pessoas da sociedade baiana, em diversos jantares, puderam ouvir ao pé do ouvido essas e outras histórias – ninguém dava a mínima. Todos tinham a certeza que Eike era e que continuaria sendo homem mais rico do Brasil e que, por isso, merecia todos os louros e homenagens que o dinheiro podia comprar.
Hoje, 30 de janeiro, com o escândalo de sua prisão reverberando nacional e internacionalmente, fica fácil compreender o real sentido do texto “ A Roupa Nova do Rei do Brasil – Uma fábula para todas as épocas”, que teve adaptação da Roupa Nova do Rei, de autoria do dinamarquês Hans Christian Andersen. Leiam e tirem as suas próprias conclusões.
*A Roupa Nova do Rei do Brasil
O Rei era muito vaidoso. Um vaidoso de marca maior. E tinha um fraco especial por roupas novas. Com calções e mangas bufantes, mantos arrastando pelo chão. Quanto mais comprido melhor. Sua grande distração e o ponto alto de seu reinado era quando desfilava por seus domínios com suas roupas novas. Os arautos corriam todos os vilarejos avisando a data e a hora, colocavam cartazes, e todos os súditos eram obrigados a estar ali a postos para assistir à passagem da nova roupa real.
O Rei vaidoso, filho de pais excêntricos, que o batizaram com o nome de uma árvore exótica, de um continente remoto, o Pau Brasil, já tinha provado dos talentos dos maiores alfaiates do mundo. Os Saint-Laurents, Givenchys, Dolce&Gabbanas, Armanis, Versaces da época, todos já tinham estagiado no palácio costurando uma roupa nova para o Rei. Quem seria o próximo?
E foi nesse momento de majestosa indecisão que apareceu lá pelos lados do reino um vigarista de terras distantes, tremendo 171, que, sabedor da fraqueza do soberano, fez-se passar por um alfaiate muito famoso lá de onde vinha e prometeu ao Rei que criaria para ele a mais linda das roupas que jamais ele tivera ou sonhara ter. Um modelito haute couture, refinadérrimo, que sairia muito caro, caríssimo, pois necessitava aviamentos especiais, linhas de ouro e prata, miçangas de diamantes, esmeraldas, safiras, colchetes de platina e por aí foi.
Encantado com tantas extravagâncias, o Rei lhe fez todas as vontades. O pilantra, então, guardou no seu baú todo aquele tesouro, e lá ficou diante do tear tecendo com fios imaginários e bordando com pedras inexistentes dias e dias.
Fazia isso com tal zelo, pompa, arrogância, ares de importância e convicção, que as pessoas, para não se fazerem passar por idiotas, confirmavam que, sim, elas o viram costurando a roupa do Rei!
Até que chegou o dia de “Monsieur” estilista vestir o Rei para a grande parada. O povo lotava as ruas ansioso. As bandeirolas, a expectativa, os cochichos: “Será que a roupa dele vai ser mais bonita do que aquela do Gucci?”, perguntavam-se alguns. Alguns até faziam bolo de apostas: “Joguei todas as minhas economias naquela veste do Calvin Klein, com manto clean. Pra mim vai desbancar a desse Monsieur estrangeiro”.
E estava o povão nesse tit-ti-ti, enquanto o Monsieur costureiro provava, diante do espelho, a roupa no Rei, cercado dos usuais nobres puxa-sacos.
O Rei Brasil, inicialmente inseguro e intrigado diante daquela roupa invisível, que o estilista, afetado, requintado, sofisticado, exibia com tantos salamaleques, misturando o idioma local com várias palavras afrancesadas, porque era très chic, começou a ficar impressionado e, já que nada enxergava, julgando estar sofrendo ou de catarata ou de Alzheimer, pra não dar bandeira, exclamou: “Que lindas vestes! Você fez um trabalho magnífico!”.
Os aspones em volta fizeram coro, em francês, naturalmente (porque era très chic, repito)…
Primeiro vieram as bajulações em “ique”. “Magnifique”, disse um. Seguido em coro por “Fantastique”, “Féerique”, “Aristocratique”, “Monarchique”, “Mirifique”…
Depois, repetindo o ritual de sempre, nas provas das roupas, vieram os elogios em “ant”: “Éclatant”, “Éblouissant”, “Resplendissant”,”Étincelant”, “Flamboyant”, “Brillant”, “Rutilant”, “Rayonnant”, “Puissant”, “Imposant”, “Important”, “Mirobolant”, “Marquant”, “Étonnant”...
Em seguida, com terminação em “el”: “Sensationnel”, “Surnaturel”, “Solennel”…
Por fim a apoteose dos “eux”: “Somptueux”,”Merveilleux”, “Radieux”, “Fastueux”, “Lumineux”, “Luxueux”, “Majestueux”, “Glorieux”, “Fameux”, “Prestigieux”, “Miraculeux”, “Prodigieux”,”Fabuleux”, “Courageux”…
Teve um, que não havia decorado o vocabulário francês distribuído pela assessoria real para ser pronunciado pela corte e soltou uns “Jabaculeux”, “Congelê” (provavelmente referindo-se ao frio que o rei desnudo estaria sentindo em pleno inverno), “Vexamê”. Mas, no meio de tantas palavras rococós, ninguém percebeu e também ficaram valendo como elogios.
Foi assim, cercado de suspiros de admiração, com o ego lá em cima, espetado mais alto do que o rubi no topo de sua coroa, que o Rei sai, nuzão, de cetro na mão, e foi desfilar sua banha, depois de consumir dois javalis no almoço, diante da multidão.
O povo até achou esquisito o rei pelado virar-se, pra lá e pra cá, como se segurasse um manto (o estilista ensinou-o a fazer assim), fazendo pivôs com sua capa aristocrática, pretensamente coberta de pedras preciosas.
Sim, porque os jornais locais já haviam descrito a roupa detalhadamente, até os croquis haviam sido divulgados em detalhes (o vigarista era bom desenhista) e todos sabiam como a roupa efetivamente era (ou seria).
Como não a enxergaram, todos daquele reinado temeram sofrer ou de catarata ou de Alzheimer e, para não dar bandeira, exclamaram: “Que marrrravilha!”. “Ah, esta bateu o Fendi disparado”. “Nem o Ferragamo faria melhor”. “Que Dior que nada, estilista bom é o estrangeiro”. Por fim: “Estou ferrado, perdi todas as minhas economias!!!”…
Até que um menino, sim, uma despretensiosa e desimportante criança, apontou para o Rei com os olhos bem abertinhos e gritou: “O Rei está nu!”.
E todos os olhos do Reino se abriram. E todos constataram que não tinham catarata, muito menos Alzheimer, e que estavam certos em seu julgamento inicial sobre o quão ridículo era aquele espetáculo de salamaleques falsos, pivôs pelados e manto fictício balançando pra lá e pra cá.
O Rei estava nu, nuzão, “nuzinho, pelado, nu com a mão no bolso”, como dizia a canção da abertura da novela.
E o povo pôde ver com os próprios olhos e pensar com a própria cabeça e julgar com o próprio juízo. E riu e gargalhou e se fartou. E cantou e dançou, gozando o “grande mico” do Rei.
E naquela noite, naquele reino, houve uma festança inesquecível, com todos opinando, comentando o quão ridículo e lastimável era ter um Rei tão vaidoso a ponto de achar que podia dominar as mentes de um reino inteiro.
Pois, seja num reino de contos de fadas ou num reino de contos de mídia, não basta mais do que um único dedo que aponte para qualquer castelo construído sobre as fundações da mentira começar a desmoronar.
*Texto adaptado por Hildegard Angel.
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