É com agulhas, linhas e o desejo de honrar sua ancestralidade, que o artesão Carlos Vinicius, de 30 anos, tem se destacado ao resgatar a beleza da barafunda – técnica de bordado secular que ganhou popularidade com as grandes matriarcas do candomblé da Bahia. Desafiando os estereótipos de gênero, o soteropolitano, criador da marca Awô Bordados, vem conquistando admiradores dentro e fora do Brasil com sua entrega a uma arte tradicionalmente passada de geração em geração entre mulheres.
Em entrevista ao Alô Alô Bahia, o artesão falou sobre como sua mãe e o candomblé serviram de inspiração para sua trajetória como bordador, que, no último ano, foi exaltada através da exposição “Um Defeito de Cor”, sucesso no MUNCAB, em Salvador, e que também passou pelo Rio de Janeiro e São Paulo.
“Tudo surgiu de uma forma muito espontânea, porque eu não tinha pretensão nenhuma de empreender ou de comercializar peças. Eu quis aprender a fazer peças pra mim, pra minha família de axé, principalmente para meu orixá. Eu sou de candomblé, filho de Oxoguiã, e eu queria muito fazer algo para agradar meu santo. Aí eu tive a ideia de fazer uma página no Instagram e logo muitas pessoas gostaram, já que é uma arte que pouquíssimas pessoas fazem hoje em dia”, diz ele, que tem a mãe como outra forte influência: “Sempre via ela fazendo panos de prato, toalhas de banho. Mas ela fazia outros tipos de bordados, são outras técnicas”.

Uma única peça com bordado barafunda pode levar 2 meses para ser finalizada (Foto: @jeanjorge_)
A iniciação no bordado barafunda veio em contato com a Makota Itana, uma das bordadeiras pioneiras na capital baiana. “Ela aprendeu com a mãe dela, que aprendeu no tempo de escola e ela me passou esse saber, que eu sou muito grato. E que bom que eu aprendi, porque eu estou conseguindo levar isso adiante, mostrando para o mundo essa técnica ancestral, que não pode se perder no tempo”, diz.
Desde 2024, Carlos tem ministrado palestras, cursos online e workshops sobre a barafunda. Em algumas dessas ocasiões, ele tem conseguido despertar o interesse de outros homens pela técnica ancestral – o que para ele representa o verdadeiro sentido de dever cumprido, tanto no que diz respeito à valorização de sua arte quanto à desmistificação do papel do homem no desenvolvimento de peças tradicionalmente associadas ao vestuário feminino.

A técnica do bordado barafunda ultrapassa gerações sendo passada principalmente para mulheres (Foto: @jeanjorge_)
“Eu me sinto muito feliz por ser um homem que borda. Nunca sofri preconceito, muito pelo contrário, eu acho que isso engrandece ainda mais meu trabalho. Quando sabem que é um homem que está por trás, sempre vem aquela pergunta: nossa um homem que borda? Como aprendeu? As pessoas se surpreendem”, conta ele, que sonha em um dia criar uma coleção de moda apenas com bordados estilo barafunda.

O bordado barafunda era comum ser encontrado em trajes de baianas de acarajé nos anos 40 por toda Salvador (Foto: Voltaire Fraga/Acervo MAB)
UM DEFEITO DE COR
No ano passado, após quase cinco anos atuando como bordador, Carlos foi convidado pelos curadores Marcelo Campos e Amanda Bonan para integrar a exposição “Um Defeito de Cor”, inspirada no livro homônimo da autora Ana Maria Gonçalves, lançado em 2006. Ao ver seu trabalho exposto ao lado de nomes como Goya Lopes, uma de suas grandes inspirações, ele conta que sentiu sua arte ser valorizada e elevada a um novo patamar.
“Eu fiquei muito honrado em participar de uma exposição tão grande, tão importante e tão significativa para todos nós, pessoas negras. Foi uma exposição grandiosa e lindíssima. Nela apresentei três panos da costa (traje típico do candomblé), eles representavam um dos capítulos do livro que fala muito sobre a nossa fé, sobre a nossa espiritualidade. Então eu fiquei muito feliz com esse convite e foi um sucesso”, conta.
“Eu posso dizer que Um Defeito de Cor foi um divisor de águas na minha vida. A Awo Bordados passou a ser mais conhecida… foi uma honra ter meu trabalho exposto em um momento tão especial e tão importante para a nossa história”, finaliza.

Carlos sonha um dia criar uma coleção de roupas apenas com a técnica da barafunda (Foto: @jeanjorge_)

Makota Itana usando traje de candomblé com a técnica de barafunda (Foto: Acervo pessoal)