Sacerdotisa de um dos terreiros mais tradicionais de Salvador, Mãe Carmen do Gantois morreu nesta sexta-feira (26), aos 96 anos. Ela estava internada há dois dias no Hospital Português, onde era tratada de uma forte gripe.
A morte foi confirmada por meio de um comunicado oficial do Terreiro do Gantois, que destacou o legado espiritual, cultural e histórico deixado pela mãe de santo.
“É com profundo pesar, respeito e reverência que a Associação de São Jorge Ebé Oxóssi comunica a passagem da Ìyáloriṣa do Ìlé Ìyá Omi Àṣe Ìyámaṣé, Mãe Carmen de Òṣàgyían. Ìyáloriṣa, mulher de axé, guardiã da ancestralidade e herdeira de uma linhagem que pavimentou a história do Candomblé na Bahia e no Brasil”, disse.
Filha direta de Mãe Menininha do Gantois, uma das maiores referências do Candomblé no país, Mãe Carmen nasceu e foi formada dentro do sagrado. Desde cedo, aprendeu os fundamentos, ritos e saberes que sustentam a religião de matriz africana.
Ela assumiu o comando do Terreiro do Gantois em 2002, após a morte da irmã, Mãe Cleusa, dando continuidade à linhagem familiar e mantendo vivo o legado religioso e político do espaço, reconhecido historicamente como território de resistência negra na Bahia.
Em 2019, Mãe Carmen foi homenageada com um álbum especial dirigido por Flora Gil, esposa de Gilberto Gil. O projeto reuniu grandes nomes da música brasileira, como Jorge Ben Jor, Carlinhos Brown, Ivete Sangalo, Alcione e Daniela Mercury, em celebração à sua trajetória e à força do Gantois.
Além do reconhecimento artístico, a Ìyáloriṣa também recebeu a Comenda Maria Quitéria, concedida pela Câmara Municipal de Salvador, em reconhecimento ao seu trabalho de mais de duas décadas à frente do terreiro.
Um detalhe simbólico que chamou atenção dos fiéis é que a morte de Mãe Carmen ocorreu em uma sexta-feira, dia tradicionalmente dedicado a Oxalá, orixá que regia sua vida. Para muitos candomblecistas, a coincidência reforça a profunda conexão espiritual que marcou sua missão.
Por que a morte de Mãe Carmen causa tamanha comoção?
A partida de Mãe Carmen repercutiu amplamente entre artistas, autoridades e personalidades porque sua atuação ultrapassou os limites do terreiro. Ela foi uma liderança espiritual, mas também um símbolo de resistência política, cultural e religiosa em um país marcado pela intolerância religiosa.
Herdeira direta de Mãe Menininha, Mãe Carmen compreendia o peso histórico de sua posição e fez questão de ampliar sua voz, dialogar com a sociedade e defender a preservação do Candomblé como patrimônio cultural e espiritual do Brasil.