A estrutura de tributos sobre veículos no Brasil pode passar por uma transformação significativa nos próximos meses. Em meio à tramitação da Reforma Tributária e à implementação de programas voltados à mobilidade sustentável, o setor automotivo observa com atenção os impactos de medidas como o novo IPI Verde e o programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação), que têm potencial para mudar preços, estratégias industriais e o próprio perfil dos carros vendidos no país.
Hoje, a carga de impostos sobre veículos zero-quilômetro produzidos no Brasil varia entre 35% e 40%, colocando o país entre os que mais tributam automóveis no mundo. A expectativa da indústria era de que a Reforma Tributária aliviasse essa carga, com a adoção de um imposto sobre valor agregado (IVA) estimado em 28%. No entanto, a inclusão dos automóveis entre os produtos sujeitos ao Imposto Seletivo — voltado a itens considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente — levantou incertezas sobre o impacto final da reforma no setor.
Além da reforma, o governo prepara o anúncio oficial das alíquotas do IPI Verde. Diferente do modelo atual, que baseia a tributação principalmente na cilindrada do motor, a proposta leva em conta critérios ambientais como consumo energético, emissão de poluentes, uso de combustíveis renováveis e possibilidade de reciclagem de materiais.
Essa mudança está inserida no pacote Mover, aprovado este ano, que visa incentivar a adoção de tecnologias mais limpas na indústria automotiva brasileira. A nova lógica tributária poderá beneficiar veículos com melhor desempenho ambiental, e já é discutida a criação de uma categoria especial de “carro sustentável”, nos moldes do antigo “carro popular”, com isenção total de IPI para modelos de entrada.
A proposta em análise prevê isenção temporária, até o fim de 2026, para automóveis com motorização até 1.0, movidos a etanol ou outros combustíveis renováveis e fabricados no Brasil. A ideia é reaquecer o mercado com preços mais acessíveis, ampliar as vendas e combater a queda na produção. O anúncio oficial está previsto para os próximos dias.
A medida, no entanto, pode favorecer mais o setor de frotistas e locadoras do que o consumidor final. Com juros altos e restrições de crédito, a compra de veículos por pessoas físicas continua sendo um desafio, o que pode limitar o impacto imediato da isenção.
Para Rogélio Golfarb, ex-presidente da Anfavea e ex-vice da Ford no Brasil, a indústria atravessa um ponto de inflexão. Em entrevista, ele classificou o momento como “uma encruzilhada” para o setor automotivo nacional.
“A estrutura tributária vai mudar por completo, mas ainda não sabemos se será para melhor ou pior”, afirmou. Ele destaca que o país já opera com uma das maiores cargas de tributos sobre veículos do mundo e enfrenta, além disso, o desafio de adaptar a produção às novas exigências ambientais e de segurança.
Golfarb também observa a crescente concorrência de marcas estrangeiras, especialmente de elétricos importados da China, que chegam ao mercado com preços competitivos, tecnologias avançadas e custo de produção mais baixo. Enquanto isso, a produção local lida com obstáculos como juros elevados e atraso tecnológico.
“Atualmente, não produzimos híbridos plug-in no Brasil, e temos poucos híbridos completos. O consumidor quer essa tecnologia, e a indústria precisa investir”, avaliou.
Outro ponto sensível é a redução de escala produtiva. A indústria brasileira fabricou 3,7 milhões de veículos em 2013. A previsão para 2024 foi revisada para cerca de 2,8 milhões — um recuo expressivo que compromete o planejamento industrial.
“Escala é essencial para manter a indústria viva. E isso só se consegue vendendo mais, não menos”, argumenta Golfarb. Para ele, uma definição estratégica sobre a nova carga tributária pode definir o futuro do setor.
“Com uma tributação mais alinhada aos padrões internacionais, podemos nos tornar mais competitivos, atrair investimentos e até aumentar a arrecadação. Mas, se o custo aumentar, vamos perder mercado, produção e empregos”, alertou.