Em um casarão histórico do século 19, de frente para o mar da Ponta de Humaitá, em Salvador, funciona uma instituição pioneira no Brasil: o Hospital Mont Serrat, o primeiro — e até agora o único — hospital do Sistema Único de Saúde (SUS) totalmente voltado para cuidados paliativos.
Instalado onde antes funcionava o Hospital Couto Maia, especializado em infectologia, o Mont Serrat oferece um novo olhar sobre o fim da vida. Sem pronto-socorro ou Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o hospital acolhe pacientes com doenças graves e prognóstico de vida limitado, oferecendo dignidade, conforto e afeto nos momentos finais.
“Aqui, o foco da gente não é a morte. Aqui, o foco da gente é o cuidado enquanto vida tiver”, afirma a médica Karoline Apolônia, coordenadora do Núcleo de Cuidados Paliativos da Secretaria de Saúde da Bahia.
Ao todo, são 64 leitos espalhados por quatro pavilhões. No centro da estrutura, uma peculiaridade: o necrotério está integrado ao espaço, ao lado da “Sala da Saudade”, um ambiente acolhedor onde familiares podem se despedir dos entes queridos. A sala tem sofá, café, luz suave e uma frase que resume o espírito do lugar: “Um minuto de silêncio. Preciso ouvir meu coração cantar.”
Entre o pôr do sol e as memórias
Foi ali, contemplando o mar de Salvador, que Ayrton dos Santos Pinheiro, 90 anos, reviveu lembranças de uma vida inteira. Ex-corredor e guia turístico, ele chegou ao hospital sem saber que estava voltando a um dos lugares mais simbólicos de sua trajetória.
“Quando me disseram que eu viria para este hospital, eu não sabia que ele ficava aqui. Quando cheguei, minhas forças se renovaram”, contou Ayrton, emocionado.
Diagnosticado com câncer de próstata e já tendo enfrentado outras batalhas contra a doença, ele agora recebe o que mais importa: conforto, escuta e cuidado.
Humanização em cada detalhe
No Mont Serrat, o atendimento ultrapassa o cuidado médico. Antes mesmo da internação, pacientes e familiares passam por conversas difíceis e decisões conscientes. Não há reanimação, não há heroísmo técnico — há presença, afeto e respeito pelo tempo que resta.
“Perguntaram se meu pai queria fazer a barba, que música ele gosta, para que time torce… Isso nos deu paz”, contou Ayrton Júnior, filho do paciente.
Os critérios para ingresso no hospital incluem diagnóstico de doença grave e tempo de vida estimado em até seis meses. Ainda assim, alguns pacientes superam as expectativas e recebem alta para continuar o cuidado em casa, ao lado da família.
“O paciente volta para casa conectado com o que muitas vezes é sagrado para ele: sua família”, explica a médica Yanne Amorim, líder da unidade.
Um projeto sonhado por anos
A criação do hospital é fruto de um trabalho iniciado em 2019, com a formação do Núcleo de Cuidados Paliativos da Secretaria de Saúde da Bahia. Em 2024, o Ministério da Saúde finalmente lançou uma política nacional para a área — sinal de que o Mont Serrat está à frente do seu tempo.
Com uma média de internação de apenas oito dias, o hospital representa um novo modelo de cuidado no SUS. Um modelo que não tenta prolongar a vida a qualquer custo, mas valoriza até o último instante dela.