O filho de Gal Costa, Gabriel Penna Burgos Costa, 18 anos, vai criar uma fundação cultural em homenagem à mãe. A decisão foi homologada em um acordo extrajudicial com as primas da cantora, Verônica Silva e Priscila de Magalhães. O documento foi acessado com exclusividade pelo CORREIO. parceiro do Alô Alô Bahia.
As duas tinham acionado a Justiça em março deste ano para validar um testamento de 1997, no qual Gal destinava seu patrimônio a uma organização sem fins lucrativos para formar músicos e promover festivais. O testamento foi anulado pela cantora em 2019.
Os familiares chegaram a um consenso na tarde do dia 1º de abril, durante uma reunião online. O desfecho aconteceu dois dias após a publicação da reportagem exclusiva do jornalista Ronaldo Jacobina no CORREIO, que divulgou a abertura do processo judicial pelas primas. Após o acordo, os advogados de Verônica e Priscila solicitaram o arquivamento do processo.
“O importante para mim é o desejo de minha mãe, o legado de minha mãe, a divulgação de sua arte”, comemorou Gabriel.
Ele conta que soube da existência do testamento em janeiro deste ano, por Luci Vieira Nunes, advogada dele e amiga de Gal, e decidiu que levaria a vontade da mãe adiante.
“Acreditamos que nossa missão foi cumprida. Não há nenhum ganho financeiro com isso, apenas fazer valer a vontade de Gal”, festejou, também, Priscila de Magalhães, que é cantora e filha de Verônica.
No acordo extrajudicial, Gabriel se compromete a criar a fundação ao fim do inventário, processo que decidirá os destinatários da herança de Gal. O espólio, cujo valor exato é desconhecido, inclui uma mansão, obras de arte, dois automóveis de luxo, joias e contas bancárias no Brasil e exterior.
Estima-se R$ 20 milhões, que ainda serão abatidos pelas dívidas deixadas. Ainda deverá ser contabilizado o patrimônio deixado por Gal em direitos autorais por suas obras, enquanto intérprete.
Os valores não podem ser informados, segundo o Ecad, entidade brasileira responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais das músicas aos autores e demais titulares.
Ainda não há prazo para que os recursos sejam repartidos. Há três meses, Gabriel e Wilma Petrillo, que era empresária de Gal e precisa provar na Justiça a união estável com a artista, disputam o espólio.
O trato entre Gabriel e as primas destrava o que poderia ser mais um empecilho para o andamento do inventário, atravancado ainda pelo pedido de Gabriel de que a causa da morte da mãe seja investigada. O atestado de óbito declara que ela morreu por infarto.
Nesta semana, o jornal O Globo publicou que a Justiça negou o pedido de exumação do corpo e pediu que o processo fosse encaminhado à polícia.
Os recursos para a Fundação Gal Costa virão da herança de Gabriel, segundo o documento, e de parcerias públicas ou privadas que ainda não foram discutidas. “Vou buscar investimentos. Acho que muitos apoiarão”.
O jovem assina o acordo, seguido por sua advogada Luci Alves Nunes, e por Verônica e Priscila e seus respectivos representantes, os advogados Sérgio Nunes e Diego Ribeiro.
O texto prevê a criação da fundação nos moldes estabelecidos por Gal no testamento registrado em 1997. Nele, Gal dedicava o seu patrimônio para a criação e gestão do equipamento, que colocava sob a responsabilidade de Verônica, Priscila e outras três primas. Na época, no entanto, ela ainda não havia adotado o filho Gabriel, o que aconteceu em 2007.
O documento ainda expressava a vontade da cantora de que a instituição levasse o nome de Fundação Gal Costa de Incentivo à Música e Cultura e fosse sediada na Bahia.
Embora o acordo seja extrajudicial, em caso de descumprimento, poderá haver novos desdobramentos jurídicos. “As partes concordam que, em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações constantes da presente composição amigável, o presente instrumento poderá ser executado judicialmente”, diz o documento.
“Nós acreditamos que ele irá cumprir, não há preocupação quanto a isso. Quando o assunto foi tratado, notamos nele um desejo genuíno de que a memória da mãe seja perpetuada”, coloca Verônica, que também é cantora e que chegou a morar com Gal em 1998, no Rio de Janeiro.
“Acreditamos que ele vai fazer um trabalho lindo perpetuando o nome de Gal e estamos aqui para o que ele precisar”, acrescenta Priscila.
Bastidores do acordo
O acordo entre Gabriel e as primas começou a ser traçado na noite do dia 31 de março, um dia depois da publicação da reportagem do CORREIO*. Naquela noite, Gabriel e Wilma falaram pela primeira vez à televisão, no programa Fantástico, da TV Globo.
Pouco depois da atração dominical, Luci Alves Nunes, uma das advogadas de Gabriel, ligou para Sérgio Nunes, advogado de Verônica e Priscila. Sérgio afirma ter defendido a vontade de suas clientes de fazer valer a fundação prevista no testamento deixado por Gal em 1997. No dia seguinte, recebeu a confirmação de que Gabriel assumiria o compromisso.
“Para nós, o testamento de 1997 foi revalidado, já que o herdeiro diz: ‘fiquem tranquilos, o testamento vai ser cumprido’. Entendemos, então, que juridicamente nossa ação perde o objeto. E pedimos o arquivamento dele, o que está em análise pelo juiz”, diz Sérgio Nunes.
“A partir do momento que a gente celebra esse acordo com Gabriel e as advogadas, a gente alcança o nosso objetivo final, que era garantir a existência da fundação”, acrescenta Diego Ribeiro.
Verônica e Priscila, que moram em Salvador, também conversaram com Gabriel, por telefone, na noite do dia 31. Há quatro anos, elas não viam o rapaz. Ele morou na capital baiana na segunda metade dos anos 2000, até se mudar com a mãe e Wilma para São Paulo, aos seis anos, em 2012.
As primas comemoram a aproximação, além da garantia de criação da fundação. “A ligação que eu e minha mãe fizemos com ele [Gabriel] por telefone foi emocionante. Consegui dizer que nós somos a família dele e estamos aqui para o que precisar”, lembra Priscila.
Gabriel também celebra. “Nós pudemos juntos extravasar nossas emoções, as saudades da minha mãe”, diz ele, que ainda acrescenta o desejo de se reaproximar da família e de Salvador.
Relembre a história
A possibilidade de criação de uma fundação em homenagem a Gal se tornou conhecida quatro meses depois da morte dela, que aconteceu em novembro de 2022. As duas primas reuniam documentos antigos da cantora quando encontraram o testamento lacrado em um envelope guardado na casa de Maria Lúcia, mãe de Verônica e prima de primeiro grau da artista.
Naquele papel, Gal escreveu o desejo de criar e dar nome a uma fundação. Priscila e Verônica apareciam como duas das cinco responsáveis por cumprir essa missão. Junto delas, apareceram as também primas de Gal Marina (já falecida), Maria Lúcia Pedreira de Freitas (citada acima) e Maria Laura Pedreira de Freitas Silva.
Por limitações da idade, Maria Lúcia não concedeu entrevista. A reportagem tentou contato com Maria Laura, mas não conseguiu. O espaço segue aberto.
Ao procurarem os advogados Sérgio e Diego, Verônica e Priscila descobriram que o testamento foi registrado em cartório, no entanto, estava sem valor legal, por ter sido anulado em 2019 pela própria Gal. Ao saberem das acusações públicas de Gabriel contra Wilma, em fevereiro de 2024, as duas decidiram pedir na Justiça a revalidação do testamento.
Para as primas, a anulação não teria valor. A argumentação usada para o processo, como contam os advogados, era de que a cantora teria sido coagida por Wilma Petrillo. As acusações a Wilma foram a público pela primeira vez em uma reportagem da Revista Piauí, de julho de 2023.
A publicação assinada pelo repórter Thallys Braga entrevistou ex-funcionários e amigos de Gal que associaram Wilma Petrillo a episódios de assédio moral, ameaças e golpes financeiros. Ela negou as acusações.
É esse processo que tentaria provar a coação que será arquivado devido ao acordo feito com Gabriel para a criação da fundação. A defesa de Wilma negou as acusações de Verônica e Priscila.
A advogada dela, Vanessa Bispo, disse que “a coação é algo que não basta ser alegado, tem que ser provado”. Sobre a fundação, respondeu:
“Certamente a perpetuação do legado de Gal jamais deixará de existir e ser cuidado por Wilma. A última vontade de Gal está devidamente expressada oficialmente na revogação do testamento, o que foi exclusivamente decidido por ela sem qualquer intervenção de Wilma”.
A advogada de Gabriel, Luci, que assina como testemunha do testamento, conta que Gal a procurou pedindo ajuda com a documentação, que refletiria seu desejo de não deixar patrimônio financeiro para ninguém. Para a anulação, em 2019, Luci diz que foi procurada novamente por Gal, que estava preocupada com o futuro do filho, adotado em 2007.
“Eu posso dizer que ela se preocupava com a morte, pensava no futuro do filho. Eu falei que ela poderia revogar o testamento, se quisesse. Quando entreguei a cópia para Gabriel, ele falou: ‘Puxa, eu quero isso. Eu vou fazer isso pela minha mãe’”, lembra a advogada.