Durante décadas, o imaginário popular brasileiro foi alimentado por uma lenda: a de que o Chester, a ave que aterrissa nas mesas de jantar todo mês de dezembro, seria uma aberração. Dizia-se que era um bicho sem cabeça, sem patas, alimentado por sondas em laboratórios secretos, incapaz de andar.
A realidade, no entanto, é menos Frankenstein do que parece. O Chester não é um monstro; ele é um frango. Um “superfrango”, na verdade.
Biologicamente, trata-se de um Gallus gallus domesticus. A sua existência é o resultado de uma das operações de inteligência corporativa mais bem-sucedidas da indústria de alimentos do Brasil.
Para entender como essa ave surgiu, é preciso voltar ao final da década de 1970. Naquela época, o Natal brasileiro tinha um dono: a Sadia. A gigante de alimentos detinha o monopólio do peru, a carne nobre das festas de fim de ano.
Para a concorrente Perdigão, sediada em Videira (SC), o mês de dezembro era um pesadelo contábil. Eles precisavam de um produto para disputar a ceia, mas tentar entrar no mercado de perus era logisticamente inviável e caro. O peru é uma ave sensível, de manejo difícil e ciclo longo.
Foi então que Saul Brandalise Jr., filho do fundador da Perdigão, deu uma ordem à diretoria: “Precisamos de um bicho que não seja o peru, mas que pareça nobre”.
A missão caiu no colo de Edésio Brandalise, então diretor da empresa (e tio do repórter Vitor Hugo Brandalise, que décadas depois revelaria os bastidores dessa história no podcast Rádio Novelo Apresenta). Edésio e dois técnicos embarcaram para os Estados Unidos, especificamente para o Cinturão do Milho, em uma viagem de prospecção que beirava a espionagem industrial.
A missão americana
O ano era 1979. A equipe da empresa não procurava uma nova espécie, mas sim uma linhagem genética específica. Eles visitaram feiras e criadores até encontrar o que buscavam em uma granja de Indiana: uma linhagem de frangos de origem escocesa que, devido a décadas de cruzamentos seletivos, desenvolvia uma musculatura peitoral extraordinária.
Eram aves pesadas, com muito mais carne do que osso.
O transporte dessa genética para o Brasil foi uma operação delicada. Não se trouxe os frangos vivos, mas sim os ovos fecundados dos “avós” da linhagem.
A carga chegou ao Aeroporto de Viracopos e seguiu, sob sigilo absoluto, para uma granja isolada no meio de uma floresta de araucárias na cidade de Tangará, em Santa Catarina. O local, conhecido como “Granja do Lago”, tornou-se o Fort Knox da avicultura brasileira.
Aqui entra a ciência que derruba o mito. O Chester não é transgênico. Na época, a manipulação genética em laboratório engatinhava. O que a Perdigão fez foi melhoramento genético clássico, a boa e velha Lei de Mendel.
Enfim, deu certo
Durante três anos, nas instalações de Tangará, os técnicos cruzaram o “galo com o maior peito” com a “galinha com o maior peito”. Repetiram o processo geração após geração. O objetivo era criar uma ave que concentrasse 70% de seu peso nas partes nobres (peito e coxas), ao contrário de um frango comum, que tem cerca de 45%.

Chester vivo — Foto: BRF/Divulgação
O nome de batismo foi uma sacada de marketing direta e internacional: veio da palavra inglesa “chest” (peito). O sufixo -er denota “aquele que tem”. Ou seja, Chester: aquele que tem muito peito.
O produto chegou aos supermercados em 1982. No início, o consumidor estranhou aquele “frangão”. Mas a estratégia de vender uma carne macia, suculenta e mais barata que o peru (e mais fácil de assar, pois não resseca tanto) funcionou. Em poucos anos, o Chester virou sinônimo de mesa farta.
Mas por que nunca vemos um Chester vivo? É isso que alimenta as lendas. A resposta é puramente comercial. O Chester é uma marca registrada da BRF (empresa resultante da fusão entre Sadia e Perdigão).
A genética é propriedade intelectual. As aves são criadas em granjas exclusivas, com biosseguridade nível máximo, para evitar que concorrentes roubem a linhagem ou que doenças dizimem o plantel.
Além disso, o ciclo de vida do Chester é mais longo. Enquanto um frango comum é abatido com cerca de 30 a 45 dias, o Chester vive cerca de 50 a 60 dias (chegando a 90 dias no passado) para atingir o peso ideal de 4kg. Eles não “explodem” de tanto comer, nem perdem as pernas.
Eles apenas crescem mais e são abatidos antes de atingirem a maturidade sexual plena, o que também garante que a genética não se espalhe, já que o consumidor compra a ave abatida.
O “monstro”, portanto, é apenas um triunfo do capitalismo. O Chester é um segredo bem guardado não porque seja uma aberração da natureza, mas porque, no disputado mercado das ceias de Natal, ele vale ouro.