Uma das maiores contradições de Salvador atende pelo nome de Praia da Preguiça. Apesar da fama sugerir descanso, o que se vê hoje é um dos trechos mais ativos da orla da capital baiana, reunindo práticas como canoagem, natação, boxe, capoeira, yoga e futevôlei, além de turismo náutico e forte impacto social.
A transformação ganhou força nos últimos cinco anos, especialmente durante a pandemia, quando a prática da canoagem se intensificou e passou a atrair moradores, atletas e turistas. O movimento esportivo impulsionou mudanças profundas na dinâmica da comunidade local, antes marcada pelo esvaziamento e pela marginalização.
“Essa praia sempre foi muito marginalizada. Ninguém descia aqui nem para tomar banho de mar”, lembra Caíque Andrade, morador da região e hoje instrutor de canoagem. Segundo ele, antes havia apenas duas traves improvisadas de futebol. “Foi o esporte que virou a chave. Hoje, muita gente vive daqui.”
O crescimento da canoagem atraiu outras modalidades e fomentou a economia local. Barraqueiros, ambulantes e moradores passaram a encontrar na praia uma fonte de renda constante. “Antes quase não tinha mesa nem cadeira. Hoje são vários ambulantes, aluguel de cadeiras e gente vendendo comida”, conta Caíque.

Praia da Preguiça vira polo esportivo, turístico e de geração de renda em Salvador
Esporte como ferramenta social
A presença do projeto Remo Sem Fronteiras, que atua com crianças, jovens e pessoas com deficiência, consolidou a praia como espaço de inclusão social. Muitos participantes iniciaram no projeto e hoje comandam seus próprios clubes de canoagem.
“Muitos jovens que começaram pequenos hoje têm sua própria canoa e seu próprio negócio”, afirma Caíque. “Isso muda destinos.”
A natação também ganhou espaço com a revitalização do local. O professor Josean Francisco, nascido e criado na Gamboa, destaca que a retomada do movimento trouxe segurança e integração comunitária. “Hoje temos alunos de outros bairros que vêm justamente por esse clima de convivência que voltou.”
Além das aulas, eventos esportivos geram trabalho para moradores, como pescadores locais, contratados para atuar como barcos de apoio durante os treinos.

Praia da Preguiça vira polo esportivo, turístico e de geração de renda em Salvador
Economia aquecida
Mesmo quem não pratica esporte se beneficia da nova fase da praia. O ambulante Maurício Santos, por exemplo, passou a trabalhar exclusivamente na região. “Tudo que eu boto pra vender, vende”, diz. Um dos produtos mais procurados são capas impermeáveis para celular, usadas por quem pratica remo.
“Há cinco anos isso aqui era escuro, ninguém queria passar. Hoje tem turista que vem a Salvador querendo conhecer a Praia da Preguiça como quem quer ir ao Porto da Barra”, afirma.
Durante a semana, a praia é dominada por treinos esportivos. Aos sábados e domingos, o movimento começa ainda de madrugada, com remadores, e se intensifica ao longo da manhã com turistas, que pagam em média R$ 70 por passeios na Baía de Todos-os-Santos.

Praia da Preguiça vira polo esportivo, turístico e de geração de renda em Salvador
Boxe no mar e cenário privilegiado
Até o boxe ganhou uma versão inédita na Preguiça. O instrutor Carlos Caetano, pioneiro da modalidade em Salvador, levou os treinos para dentro do mar. “A água tem poder de cura. A pessoa sai dali renovada”, afirma.
Segundo especialistas, a praia reúne condições naturais ideais para esportes náuticos. Por estar dentro da Baía de Todos-os-Santos e protegida pelo chamado Alto de Salvador, a área sofre menos influência de ventos e ondas.
“A Praia da Preguiça é naturalmente abrigada, o que a torna muito favorável para atividades como canoagem e stand up paddle”, explica o geólogo e pesquisador da Ufba José Landim.
Hoje, cercada por cartões-postais como o Elevador Lacerda, o Mercado Modelo e o Forte de São Marcelo, a Praia da Preguiça se firmou como reduto esportivo, ponto turístico e exemplo de transformação comunitária. Apesar do nome, ali o que menos existe é preguiça.