A população jovem é a que mais sofre internações relacionadas a problemas de saúde mental no Brasil, mas também é a que menos busca atendimento na Atenção Primária à Saúde (APS). A conclusão é do Informe II: Saúde Mental, segunda publicação do Ciclo de Informes sobre a situação da juventude brasileira, produzido por pesquisadores da Fiocruz.
O estudo analisou dados do Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2022 e 2024 e traçou o perfil de internações, óbitos e atendimentos na APS de jovens de 15 a 29 anos. Informações do Censo 2022, do IBGE, também foram usadas para calcular taxas de mortalidade e internação.
Menos busca por atendimento, mais internações
Entre 2022 e 2024, apenas 11,3% dos atendimentos de jovens na APS estavam relacionados à saúde mental. Na população geral, o índice é mais que o dobro: 24,3%.
Apesar disso, a juventude lidera as internações: 579,5 casos por 100 mil habitantes.
Entre os subgrupos de 20 a 24 anos e de 25 a 29 anos, as taxas sobem para 624,8 e 719,7, respectivamente — todas superiores às registradas entre adultos com mais de 30 anos (599,4).
“Os jovens são aqueles que mais sofrem com saúde mental, violências e acidentes de trabalho, mas são também os que menos procuram e encontram cuidados”, afirma André Sobrinho, coordenador da Agenda Jovem Fiocruz (AJF). “Muitas vezes a sociedade age como se eles tivessem que aguentar qualquer coisa exatamente por serem jovens”.
Homens jovens lideram internações; abuso de drogas é principal causa
Homens de 15 a 29 anos representam 61,3% das internações por motivos de saúde mental. A taxa deles é de 708,4 internações por 100 mil habitantes — 57% maior que a das mulheres, que é de 450.
O principal motivo é o abuso de substâncias psicoativas, responsável por 38,4% das internações masculinas. Em 68,7% desses casos, há uso de múltiplas drogas. Depois aparecem cocaína (13,2%) e álcool (11,5%).
Na juventude como um todo, o abuso de drogas (31%) e os transtornos esquizofrênicos (32%) têm pesos semelhantes nas internações. Em seguida, aparecem os transtornos de humor, 23%.
Segundo a pesquisadora Luciane Ferrareto, da EPSJV/Fiocruz, fatores sociais e culturais ajudam a explicar o cenário entre os homens. Para ela, a falta de oportunidades e a instabilidade econômica aumentam o risco de uso de drogas como forma de escape.
Além disso, a pressão por um ideal de masculinidade que valoriza força e autossuficiência dificulta que muitos busquem ajuda emocional e as redes sociais podem ter um forte impacto nisso.
“As comparações sociais podem gerar baixa autoestima, insatisfação com o corpo e frustração com a própria vida; a sobrecarga de informações e estímulos constantes pode aumentar a ansiedade e prejudicar a qualidade do sono; e o fator mais grave é o cyberbullying e o discurso de ódio, que podem levar a quadros sérios de depressão e até ao suicídio”, disse Ferrareto ao g1.
Juventude indígena tem maior taxa de suicídios do país
O estudo também mostra que jovens são o grupo com maior risco de suicídio no Brasil: 31,2 mortes por 100 mil habitantes, acima da taxa geral de 24,7. Entre homens jovens, o risco sobe para 36,8.
Mas é entre a juventude indígena que o problema se torna mais grave. O relatório aponta que “o suicídio é um problema de saúde sobretudo entre a juventude indígena”. A taxa chega a 62,7 mortes por 100 mil habitantes — a maior do país.
Entre homens indígenas de 20 a 24 anos, o índice atinge 107,9 suicídios por 100 mil habitantes. As mulheres indígenas jovens também apresentam taxas mais altas que as demais, especialmente as de 15 a 19 anos (46,2).
Ferrareto afirma que diversos fatores podem explicar essa realidade. Os conflitos territoriais fazem com que os jovens estejam na linha de frente, o que gera muita ansiedade e medo. Há também o rompimento de laços culturais e a perda de identidade.
“Ao acessar a cidade, a escola e as redes sociais, muitos jovens indígenas passam a sentir que não pertencem totalmente a nenhum desses espaços, ao mesmo tempo em que percebem o afastamento de suas referências tradicionais, o que causa sofrimento mental — além da discriminação, que ainda é frequente”, analisa a pesquisadora.
Região Sul concentra as maiores taxas
Os estados com maiores taxas de internações por transtornos mentais são:
- Rio Grande do Sul: 1.615,6 por 100 mil
- Paraná: 1.170,5
- Santa Catarina: 963,3
- Também estão acima da média nacional os estados do Acre, Ceará, Paraíba, Alagoas, São Paulo, Distrito Federal e Goiás.
Na Atenção Primária à Saúde (APS), apenas 11,3% dos atendimentos de jovens são por saúde mental (menos da metade da população geral).
Cerca de 50% das consultas são por demanda espontânea. E mulheres jovens procuram mais a APS, mas quando homens jovens procuram, é mais provável que seja por razão mental (26,1%).
Brancos são os mais internados
O estudo apontou ainda que:
- Jovens brancos foram mais internados (615 por 100 mil).
- Pardos representam 43% das internações.
- Menos da metade dos jovens com diagnóstico mental faz acompanhamento regular.
- Entre 20 e 25 anos, esse acompanhamento é o mais baixo: 33,9%.
- Jovens enfrentam barreiras no acesso ao SUS: burocracia, desconhecimento e dificuldades de acolhimento.