Depois de lançar, na última semana, o longa “Quase Deserto”, rodado em Detroit e falado em três idiomas, o cineasta José Eduardo Belmonte está na Bahia filmando seu próximo projeto, “Justino”, um drama baseado em uma história real que o diretor vinha acalentando há anos e que encontra no território baiano uma de suas camadas mais essenciais.
Belmonte, que escreve, dirige e produz “Quase Deserto”, apresentou ao público um thriller de atmosfera apocalíptica, protagonizado pela atriz armênio-americana Angela Sarafyan, pelo uruguaio Daniel Hendler e por Vinícius de Oliveira, o eterno Josué de “Central do Brasil”.

“Quase Deserto” | Foto: Reprodução
A trama acompanha dois latinos indocumentados e uma americana que testemunham um assassinato em uma Detroit quase inabitada. Para ele, filmar em três línguas (português, espanhol e inglês) e com equipes de países distintos o obrigou a trabalhar com mais precisão e abertura. “Filmar em três línguas, com equipes de países diferentes, me ensinou a ser mais preciso, mais aberto e menos apegado a padrões. Isso volta comigo para o Brasil: mais escuta, mais objetividade e sem perder o risco”, contou, em conversa exclusiva com o Alô Alô Bahia.
Esse aprendizado desembarca agora na Bahia, onde Belmonte grava “Justino”, estrelado por Christian Malheiros e Caio Blat. Christian interpreta Mario Justino, ex-pastor evangélico diagnosticado com HIV que rompe com a igreja e se exila nos Estados Unidos. Blat será o bispo que expulsa o protagonista. Parte fundamental da trajetória do personagem, Salvador surge como território de formação, conflito e memória.
“A Bahia entrou no projeto como território de tensão, memória e energia vital”, diz Belmonte. “É baseado em uma história real, e o personagem, que é do Rio, tem seus anos de formação em Salvador. Foi uma demanda narrativa, mas também uma escolha estética: de todas as cidades possíveis, Salvador era a que tinha mais força dramática para essa história”, revela.

Cenas foram gravadas em Salvador | Foto: Reprodução/Redes Sociais
Para o diretor, a Bahia não é apenas cenário, é motor dramático, geografia que altera comportamentos e ritmo de cena. “Ela é os três ao mesmo tempo: cenário, personagem e motor dramático. A geografia interfere nas decisões dos personagens, no ritmo das cenas… impõe comportamento, não apenas enquadramento”, reflete.
A relação de Belmonte com o território passa também por uma concepção de cinema que rejeita simplificações, especialmente no caso de um estado frequentemente representado por estereótipos audiovisuais. “Mostrando pessoas antes de mostrar cartões-postais. Meu foco sempre são as personagens e suas questões mais íntimas. A Bahia do filme não é a da propaganda, ela é viva, contraditória, urbana, violenta, espiritual, amorosa e dura. O clichê simplifica. O cinema, quando vale a pena, complica”, diz.
Essa complexidade encontra ressonância em sua busca por narrativas que ultrapassem fronteiras sem perder a raiz brasileira. Depois de filmar em Detroit, Inglaterra e outros países, ele identifica um ponto de encontro entre o local e o global na Bahia. “A Bahia já nasce atravessada pelo mundo. Ela é, ao mesmo tempo, profundamente brasileira e estruturalmente internacional. É uma ponte natural entre identidades”, pondera.
Ver essa foto no Instagram
Belmonte insiste que seus novos projetos são “originais e provocativos”, sempre ancorados em propriedade intelectual brasileira, inclusive quando filmados no exterior. “A aposta é em histórias radicais na sua identidade local, mas universais na emoção. Não acredito em ‘filme neutro para o mercado’. A identidade nacional não se perde quando você cruza fronteiras, ela se testa”.
Essa visão dialoga com sua ambição de romper o isolamento do Brasil em relação às Américas. “O cinema pode ser ponte real, não só vitrine. Quando a história circula, o país circula junto. Esta nova fase aposta menos na validação externa e mais no diálogo direto”.
Nascido no interior de São Paulo e crescido em Brasília, o diretor carrega uma formação marcada pela convivência entre culturas e pela observação do Brasil sem folclore, como ele diz. “Ter vivido em Brasília, onde todo o país estava lá, misturado, com muita influência estrangeira das embaixadas, me fez olhar todo lugar sem condescendência. No caso da Bahia, vejo um Brasil que conversa com o mundo há séculos”, compara.

Profissionais baianos, como Edvana Carvalho, estão no projeto | Foto: Reprodução/Redes Sociais
Essa abertura, segundo ele, molda também o processo criativo. “A mente abre quando você conversa com outras culturas. Você erra mais, escuta mais, conversa mais para achar pontos em comum. Isso entrou diretamente na concepção do filme: ele nasce menos fechado e mais poroso às interferências”, diz.
Além do olhar externo, Belmonte faz questão de integrar profissionais baianos ao projeto. “Estamos envolvendo atores e atrizes. Alguns com quem já trabalhei, como Edvana Carvalho, e outros incríveis como Lucas Leto e Raissa Xavier, além de técnicos e artistas da Bahia em todas as frentes. Aprendi desde cedo que não faz sentido filmar em um lugar sem que o projeto seja tocado pelas pessoas do lugar”, conta. Ele adianta, inclusive, antes de terminar a conversa, que pretende voltar ao estado para um novo longa no futuro. “Um projeto que acalento desde os tempos da UnB”, confessa.