O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) determinou, nesta quarta-feira (29), a interdição da área onde foram encontrados os corpos de mais de 100 mil pessoas escravizadas, em Salvador.
A medida tem como objetivo proteger o local, identificado como um dos maiores cemitérios de escravizados da América Latina, e garantir condições para a continuidade das pesquisas arqueológicas. A decisão também abre caminho para a criação de um centro de memória sobre o tema.
O sítio arqueológico está localizado no estacionamento da Pupileira, na sede da Santa Casa de Misericórdia, no centro da cidade. A descoberta foi feita pela arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, durante sua pesquisa de doutorado na Universidade Federal da Bahia (Ufba).
A pesquisadora identificou o cemitério ao comparar mapas históricos do século 18 com imagens de satélite atuais. As escavações começaram em 14 de maio e, já no terceiro dia de trabalho, foram encontrados fragmentos de porcelanas e objetos do século 19. Cerca de dez dias depois, surgiram as primeiras ossadas humanas — mesmo assim, o espaço continuou sendo utilizado como estacionamento até a decisão do Iphan.
O relatório final do levantamento arqueológico, apresentado no último dia 21 de outubro, foi fundamental para a deliberação. O documento contou com a participação de representantes do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Iphan, Fundação Gregório de Matos (FGM) e Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac).
O órgão federal reforçou que, conforme a Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 3.924/1961, todos os sítios arqueológicos brasileiros são protegidos por lei, sendo proibida qualquer forma de exploração econômica, destruição ou modificação desses espaços. No caso do cemitério, o tráfego de veículos no local vinha acelerando a degradação dos fragmentos ósseos.
As pesquisas de Olivieri revelam que o cemitério funcionou por cerca de 150 anos, até 1844, quando a Santa Casa passou a administrar o Cemitério do Campo Santo, na Federação. Os sepultamentos eram feitos em valas comuns e superficiais, sem cerimônias religiosas.
Além de pessoas escravizadas, registros apontam que indígenas, ciganos e pessoas pobres também foram enterrados no local. Há ainda indícios de que participantes da Revolta dos Malês, da Conjuração Baiana e da Revolução Pernambucana tenham sido sepultados ali.