Estudos apresentados no Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA) apontam que o estacionamento localizado no Complexo da Pupileira, pertencente à Santa Casa de Misericórdia, no Campo da Pólvora, em Salvador, abriga os restos mortais de mais de 100 mil pessoas escravizadas. O resultado da pesquisa arqueológica foi apresentado no último dia 21, durante reunião com representantes do Iphan, Ipac e Fundação Gregório de Mattos.
Segundo os pesquisadores, o local funcionou por cerca de 175 anos como cemitério de pessoas que viviam à margem da sociedade, como escravizados, pobres, indigentes, não batizados, excomungados, suicidas, prostitutas, criminosos e insurgentes — entre eles, líderes da Revolta dos Malês.
“É um tema de relevância para a formação da memória social e coletiva da Bahia e do país, pois estamos falando de séculos em que pessoas foram retiradas de seu território de maneira forçada para serem escravizadas e que tiveram seus laços quebrados e memórias apagadas”, afirmou a arqueóloga Jeanne Almeida, responsável pelo estudo.

Estudos indicam mais de 100 mil corpos de escravizados sob estacionamento da Pupileira em Salvador
Atualmente, a área é utilizada como estacionamento. A partir da recomendação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o MPBA irá solicitar à Santa Casa a suspensão imediata do uso do espaço.
“Nosso objetivo é garantir a proteção do local enquanto sítio arqueológico de memória sensível e promover um processo de reparação histórica, rompendo o ciclo de silenciamento desses grupos”, disse o promotor de Justiça Alan Cedraz, coordenador do Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Nudephac).

Estudos indicam mais de 100 mil corpos de escravizados sob estacionamento da Pupileira em Salvador
A reunião contou ainda com as promotoras de Justiça Cristina Seixas e Lívia Sant’Anna Vaz, além de representantes da Santa Casa de Misericórdia, da Fundação Gregório de Mattos (FGM) e do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac).
A pesquisa, realizada entre os dias 13 e 23 de maio de 2025, identificou fragmentos ósseos humanos e materiais arqueológicos compatíveis com o antigo cemitério. O estudo integra um conjunto de ações iniciadas em dezembro de 2024, com a assinatura de um termo de cooperação técnica entre o MPBA, a Santa Casa e o grupo de pesquisadores.
A arquiteta e pesquisadora Silvana Olivieri e o advogado e professor Samuel Vida reforçaram a importância de reconhecer o local como Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos, pedido já encaminhado ao Iphan. O órgão, por sua vez, recomendou a proteção integral da área e a criação de um memorial aberto ao público para preservar a memória das pessoas ali enterradas.