Fazendo a curva na Praça Castro Alves, Ivete Sangalo, no circuito Osmar, entra na Carlos Gomes lançando um verso dúbio que faria o Poeta buscar Dalila: “Chupa toda”, anuncia. “Disse toda”, enfatiza, para não deixar dúvidas. Cem anos antes, na década de 1920, Veveta nem sonhava nascer e “Coruja” não passava de um animal noturno, que ouvia sair dos antigos casarões a mesma frase que hoje Mainha entoa em cima do trio.
“Mulheres de família evitavam passar por aquela rua, assim como pela Ladeira da Montanha. As mães chegavam a tapar os olhos dos filhos e filhas”, lembra o escritor Carlos Modesto sobre o comportamento dos transeuntes na Carlos Gomes. O motivo é explicado pelo historiador Rafael Dantas: “Naqueles antigos casarões e sobrados funcionavam uma série de prostíbulos e casas de entretenimento adulto. Nas portas e janelas se posicionavam mulheres ‘da vida’, que se exibiam e faziam sinais aos rapazes a fim de atraí-los.”
Era uma dinâmica parecida com a da famosa Red Light District, em Amsterdã — mas com uma diferença marcante. Em Salvador, cidade elegante, as profissionais se vestiam de forma refinada e recatada, exibindo as “vergonhas” apenas na hora certa. E não era só ali: elegância, beleza e discrição eram as palavras-chave dos cabarés que serviam de ponto de encontro da high society soteropolitana na primeira metade do século XX.
Em 1920, a grande estrela da noite era o Palace Club, cabaré-restaurante na Ladeira da Montanha, bem perto da Praça Castro Alves. Era o auge da vida noturna: frequentadores se produziam com requinte e exibiam trajes dignos de bailes de gala. Mas bastaram dois anos e uma campanha de difamação para o palácio virar abóbora. “Uma série de fofocas e boatos reduziu o local a uma ‘pequena boate’”, recorda Carlos Modesto.
Com a queda do Palace, quem brilhou foi o Cassino Antarctica. O nome enganava, mas não tinha nada a ver com a cerveja. Localizado nos fundos do antigo Cine Teatro Guarani, na mesma praça, o espaço apresentava 12 belas e pouco vestidas malabaristas, entre música, drinques e danças ousadas. Enquanto parte da imprensa descrevia o cassino como “a única casa de diversão decente da Bahia”, o Diário da Bahia era menos entusiasta, batizando o lugar como “antro de prostituição”.
Não muito longe dali, na ladeira que ligava a Castro Alves à Barroquinha, florescia o Barroquinha 3, comandado pela francesa Madame Marcelle. A casa abria cedo, ainda à tarde, com mulheres perfumadas, maquiadas e impecavelmente vestidas. Os encontros mais íntimos aconteciam no andar de cima, mas havia ritual: às 21h, as garotas saíam em direção ao cassino. Antes disso, porém, passavam por uma reunião com a cúpula da polícia, que ajudava a “selecionar” a freguesia.
Os exigentes grã-finos de Salvador eram atendidos por moças “importadas”, vindas principalmente da França e da Polônia. Foi nesse período, aliás, que surgiu a palavra “encrenca”: derivada de “ein krenke”, expressão usada pelas polacas para alertar sobre clientes contaminados por doenças venéreas.
Essas mulheres vinham para a Bahia com o objetivo de enriquecer com a profissão mais antiga do mundo. Muitas, com o tempo, “subiam na carreira” e se tornavam cafetinas.
Na Loja Duas Américas, por exemplo, viviam as cortesãs mais caras e selecionadas, destinadas a atender os coronéis do cacau. A dona também era francesa, proprietária da Pousada Chile.
O Centro Histórico guardava histórias em cada esquina. Na área da Sé havia bordéis enormes e suntuosos, como a casa de Cynara, na escadinha dos Sete Candieiros. Na Gameleira, os prostíbulos eram conhecidos apenas por números — 73, 69, 5, 7 e 9. E havia ainda o Mangue de São Miguel, na Rua Frei Vicente, perto da Baixa dos Sapateiros, vizinho de uma igreja — cena que se repete hoje, quando o erótico Cine Tupy divide muro com um templo evangélico.
Mas foi em 1955 que a noite baiana ganhou sua personagem mais marcante: Maria da Vovó. Ela inaugurou uma boate-bordel perto da Praça da Sé, que chegou a reunir 60 garotas. Rica e famosa, ficou conhecida pela inovação: foi a primeira cafetina a oferecer “feijoada completa”. A expressão ia muito além do prato típico. “Não era apenas mamãe e papai: era o pacote completo”, diz Carlos Modesto. Em uma época em que predominava o “papai e mamãe”, Maria da Vovó popularizou o sexo oral e anal na primeira capital do Brasil.
Para bolsos mais modestos, Salvador também oferecia prostíbulos de terceira categoria, espalhados pela Ladeira da Misericórdia, pela Ladeira da Conceição e até vizinhos do Elevador Lacerda.
Aliás, até a Lei da Meia-Entrada teve um soft opening na época. Uma prostituta, misturando empreendedorismo e caridade, concedia desconto de 50% aos estudantes que faziam fila na frente do seu local de trabalho. “Mas, para ganhar o benefício, tinha que apresentar a carteirinha de estudante”, ressalta Modesto.