Em comemoração aos seus 40 anos de estreia, o premiado longa “A Marvada Carne” (1985), clássico dirigido por André Klotzel, volta às telonas em versão remasterizada a partir desta quinta-feira (28). O filme, que levou mais de 1 milhão de espectadores às salas de cinema na época, além de circular em festivais internacionais, marca a estreia de Fernanda Torres como atriz. Em Salvador, a obra estará em cartaz na SALADEARTE CineMAM.
Para o diretor, o relançamento não é apenas a celebração de um filme que se tornou clássico, mas também uma oportunidade para discutir a importância de preservar um tipo de produção que, segundo ele, está cada vez mais raro no Brasil: o cinema que nasce do produtor independente e dialoga com o grande público.
“Naquela época, havia um pouco mais de espaço para se fazer filmes originais, criativos e que ao mesmo tempo tinham a ambição de serem populares. Hoje, criou-se uma separação artificial entre o que é cinema autoral e o que é comercial. Todo cinema é as duas coisas. Mas infelizmente, vemos cada vez mais estímulo a filmes concebidos a partir da lógica do distribuidor, pensados para atender a um modelo de mercado já estabelecido, e poucas obras mais ousadas, com origem no realizador, que mirem também em um público amplo”, comenta Klotz.
Para o produtor Cláudio Kahns, a iniciativa não é apenas uma questão de qualidade técnica, mas de compromisso cultural. “Há muitos filmes excelentes feitos nas últimas décadas que precisam ser remasterizados. A Ancine deveria ter um programa específico para isso. É um tesouro que precisa ser preservado.”
O produtor lembra também que o longa foi realizado com orçamento apertado, mas com uma somatória de talentos raramente reunida em uma mesma obra. “O elenco é excepcional: o saudoso Adilson Barros, Fernanda Torres em seu primeiro papel premiado aos 19 anos, Regina Casé, Dionísio Azevedo, Lucélia Machiavelli, Geni Prado, a lendária dupla Tonico & Tinoco. A direção de arte de Adrian Cooper e a cenografia de Beto Mainieri, unidas à fotografia poética de Pedro Farkas, criaram um universo visual que continua belo e atual”, destaca.
Entre o mito e o real: a força atemporal da fábula caipira
“A Marvada Carne” conta a história de Nhô Quim, um homem que vive sozinho no mato e decide buscar dois grandes desejos: carne de boi e uma esposa que cuide dele. Carula (Fernanda Torres), por sua vez, sonha com um marido e desafia “Santo Antoninho” a tornar o sonho realidade. Entre santos de olhar zombeteiro, diabos sedutores e figuras do folclore, o filme costura com humor e poesia as carências e desejos universais do ser humano. “O humor irônico, o olhar afetuoso para o sertão e a inteligência do matuto presentes nesta obra continuam funcionando. É um humor que não se esgota porque fala de gente, de desejo, de identidade”, ressalta Kanhs.
Ele recorda ainda que o papel de Carula foi inicialmente pensado para outra atriz conhecida, mas acabou com Fernanda Torres após indicação de Pedro Farkas: “A Fernanda já mostrava, aos 18 anos, a potência da atriz que se tornaria. E trazia também um espírito irreverente: às vezes, depois das filmagens em Juquitiba, pegava carona na BR-116 para voltar ao Rio. Era outro tempo.”