Baiano de Salvador, Henrique Filho, o Reco do Bandolim, construiu uma história pioneira na música brasileira. Ao lado do filho, o violonista Henrique Neto, ele dirige a Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello, em Brasília, responsável pela formação de centenas de músicos e referência para instituições do gênero no mundo.
A trajetória começou há quase 30 anos, quando Reco assumiu o desafio de reabrir o Clube do Choro de Brasília, fechado havia uma década. Em 1998, fundou a primeira escola dedicada ao gênero no país. O projeto ganhou ainda mais fôlego com a chegada do filho. “Ele deve ter espaço para errar, inclusive. Tomar decisões que ele achar que deve tomar. Eu penso que os filhos que assumem esse bastão com liberdade trazem inovações, inclusive tecnológicas”, avalia Reco.
Henrique Neto confirma que a paixão veio de casa: “Acho que esse interesse veio muito de querer ser amigo, parceiro, ter uma coisa em comum com o pai, que é isso que o ser humano busca: a conexão com as pessoas que ele mais ama”. Formado em música pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Portugal, ele trouxe novos rumos para a instituição, criando o Manual do Choro, já distribuído em mais de 20 países.
Da crise à renovação
Com a pandemia, a escola viveu seu período mais difícil. Henrique, que estava de férias no Brasil quando a crise começou, ficou no país e ajudou a salvar a instituição. “Depois, ele foi para Portugal, fez o mestrado e chegou aqui no momento em que eu estava precisando de um socorro”, lembra Reco.
Graças ao trabalho conjunto, pai e filho evitaram o fechamento da escola e a transformaram em modelo de ensino musical. “Vendo no que eu poderia colaborar, decidi me especializar na parte musical e organizei a parte pedagógica. Hoje, a escola está crescendo, com cursos novos e metodologia”, diz Henrique.

Reco e Henrique | Foto: Ed Aves/CB/DA Press
Raízes na Bahia, influência do Brasil
Reco começou a carreira tocando guitarra, com o apelido “Jimi Reco” inspirado em Jimi Hendrix. Na juventude, foi fisgado pelo som dos Novos Baianos e pela Tropicália. Em Brasília, encontrou um cenário perfeito para o choro florescer, unindo influências de todo o país. “Foi uma coincidência, quando eu voltei a Brasília estava tendo esse começo aqui. E aí eu me incorporei a esse grupo e, de lá para cá, foi uma luta danada”, resume.
Hoje, o Clube do Choro e a Escola Brasileira de Choro funcionam no centro da capital federal, em prédio projetado por Oscar Niemeyer. A instituição oferece bolsas para alunos de baixa renda e cria oportunidades profissionais para jovens talentos. “Temos uma tradição e uma política aqui na escola, desde o início, de dar bolsa de estudos para os alunos que se destacam e para alunos de baixa renda. E, quando eles se destacam a nível profissional, nós os inserimos como instrutores”, explica Henrique.
O modelo inspirou projetos semelhantes em cidades como Paris e Santos. “Hoje, você vê um movimento de choro na cidade. Eu fico muito feliz de sentir que as coisas estão num caminho crescente, pois acompanhei essa trajetória, e tenho esse mesmo espírito de amor pela cultura. Nós não somos empresários. Somos produtores culturais na sua essência”, afirma Henrique.
Cultura como missão
Para Reco, a música é muito mais que som, é identidade. “Penso que o que a gente tem feito já há muitos anos é uma espécie de braço do Estado. Acho que caberia ao Estado estar à frente disso, porque diz respeito à nossa cultura”, defende. Ele compara a valorização cultural nos Estados Unidos, onde o jazz se tornou um patrimônio mundial, e alerta: “É um dos segmentos (o cultural) que mais gera riqueza no mundo. As pessoas precisam saber disso”.
Henrique resume o legado do pai: “Nós somos brasileiros porque dividimos códigos, dividimos símbolos. A música é isso. Eu não vejo mais a música como sons. Para mim, ela tem a profundidade de unir as pessoas, é essa a finalidade da cultura. Foi isso que eu aprendi com meu pai, e agradeço muito a ele”.
Reco completa citando Pixinguinha: “Pegue um disco de Pixinguinha e coloque na vitrola que você vai entender exatamente tudo isso que ele disse: como é que o Brasil ganha, perde; as alegrias que a gente tem; as tristezas. Está tudo ali. Tem um ditado que diz: ‘A música pode ser considerada um divã sonoro da história’. Você vai compreender o povo ouvindo a música dele”.