Da exclusão ao reconhecimento: baiano Sérgio Soarez será destaque na Bienal de São Paulo

Da exclusão ao reconhecimento: baiano Sérgio Soarez será destaque na Bienal de São Paulo

Redação Alô Alô Bahia

redacao@aloalobahia.com

José Mion/Alô Alô Bahia com informações do Valor Econômico

Reprodução/Valor Econômico

Publicado em 15/08/2025 às 17:37 / Leia em 4 minutos

Quando o curador camaronês Bonaventure Soh Bejeng Ndikung (na esquerda, na foto principal) aceitou o convite para comandar a atual Bienal de São Paulo, ele já tinha a certeza de ao menos um nome antes mesmo de começar a lista de artistas: Sérgio Soarez. Às vésperas da abertura de uma das mostras mais relevantes do cenário artístico global, em setembro, o baiano de 56 anos permanece praticamente desconhecido do grande público.

“Não quero falar sobre quem é ou não incluído em certos círculos, ou sobre jogos de poder, porque, no fim das contas, pessoas como ele simplesmente fazem o seu trabalho, e não estão fazendo para agora, mas para a posteridade”, resume Bonaventure, em entrevista ao Valor Econômico, evitando justificar a ausência do artista no circuito nacional até hoje.

“Vejo ele dentro de uma genealogia de grandes artistas que incluem Abdias Nascimento [1914-2011], Rubem Valentim [1922-1991] e Emanoel Araujo [1940-2022], e ele sabe traduzir emoções em objetos melhor do que muitos artistas que conheço”, reforça o curador.

Detalhe de Ìyámi, 2019 (assemblage em técnica mista) | Foto: Giovane Sobrevivente

Com mais de três décadas de produção, Soarez foi incluído na segunda edição do livro “A mão afro-brasileira”, organizado pelo conterrâneo Emanoel Araujo. Suas assemblages inspiradas na mitologia das religiões afro-brasileiras foram descritas como fruto de uma “experimentação estética bem concebida e bem articulada”.

Mesmo com esse reconhecimento, sua obra teve pouca circulação: uma individual no Museu Afro-Brasileiro, em Salvador, em 2014, e raras participações em coletivas. Soarez chegou a tentar uma inserção no circuito paulista, mas enfrentou dificuldades: sem contatos em galerias e sem moradia, chegou a viver por três meses em um terreno baldio.

Nascido em Salvador, em 1968, vem de uma família de tradição manual. Com avô marceneiro e mãe artesã, decidiu ser artista aos 17 anos, quando frequentou cursos do Museu de Arte Moderna da Bahia, aprendendo entalhe em madeira, xilogravura e escultura em pedra-sabão.

Exposição Pau e Ferro, no Museu Afro-brasileiro, em 2014

Com o tempo, desenvolveu uma linguagem própria que une ferro e madeira, materiais associados às divindades Oxóssi e Ogum. “Gosto do diálogo entre as matérias e trabalho para encontrar a leveza nessas binariedades, entre o rígido e o flexível, o masculino e o feminino, com o lado maternal do vegetal e o não maternal das ligas metálicas”, explica.

Para Thiago de Paula Souza, integrante da equipe conceitual da Bienal, a obra de Soarez integra uma constelação de artistas afro-diaspóricos cuja inserção no sistema de arte ainda é tímida. “O circuito artístico espelha os problemas estruturais que são do país”, diz Souza. “O Sérgio Soarez é um homem negro, de Salvador, e sem muitos recursos, mas a pergunta que fica é em relação a que laços o artista precisa estabelecer para que consiga desenvolver uma carreira mais longeva nesse circuito”, reflete.

Bonaventure prefere enfatizar o valor da obra em vez das barreiras. “Seu trabalho deveria ser conhecido há muito mais tempo, mas, na realidade, não é uma oportunidade para ele, e sim para as pessoas que estarão conhecendo a sua obra”, enaltece.

Com cerca de 60 peças produzidas, das quais 18 estarão na Bienal, Soarez segue criando sem esperar reconhecimento imediato. “O que poderia acontecer é eu ser chamado por uma galeria”, afirma. “Por outro lado, se eu não esperar por isso, não me decepciono. Com todo o tempo de lida e exclusão, essa foi a estratégia que eu criei”, confessa.

Enquanto isso, trabalha há nove anos em uma nova individual ainda sem data nem local definidos, explorando elementos metafísicos das culturas iorubá e banto. “Prefiro não falar muito para não estragar o ineditismo”, diz o artista, confiante na própria produção e prestes a ampliar sua visibilidade na Bienal que começa no dia 6 de setembro e segue até 11 de janeiro de 2026, marcando mais um passo na consolidação de sua trajetória.

Compartilhe

Alô Alô Bahia Newsletter

Inscreva-se grátis para receber as novidades e informações do Alô Alô Bahia