Determinada a nunca desistir, Elenice Pereira, moradora de Campos dos Goytacazes (RJ), começou 2025 realizando um desejo que carregava há décadas: ingressar no ensino superior. Aos 70 anos, a aposentada superou uma longa trajetória de interrupções nos estudos e, no início do ano, iniciou o curso de Pedagogia em uma universidade particular.
Na semana passada, Elenice recebeu o certificado de caloura durante uma cerimônia simbólica e celebrou o momento ao lado de professores e colegas mais jovens. Mas, mesmo diante dessa conquista, ela já tem novos objetivos: pretende refazer o Enem no fim do ano para tentar uma vaga em uma instituição pública.
Por ter perdido o prazo de matrícula do Sisu, precisou recorrer a uma faculdade privada. Para arcar com as primeiras mensalidades, utilizou economias guardadas por anos. “Daqui para a frente não sei como vou fazer, mas não penso desistir”, afirmou em entrevista ao jornal Extra. Ela vive com uma aposentadoria equivalente a um salário mínimo.
Nascida em Bom Jesus do Itabapoana, Elenice é filha de agricultores e a única mulher entre nove irmãos. Começou a trabalhar ainda na infância, ajudando na lavoura. Aos 16 anos, deixou a casa dos pais para contribuir com a renda da família, o que a obrigou a abandonar a escola.
Somente aos 25 anos voltou a estudar, já vivendo em Campos. Na época, trabalhava como empregada doméstica e babá, e recebeu o incentivo de uma das patroas para frequentar o antigo programa de alfabetização de adultos, o Mobral.
“Eu tinha só a 3ª série e ela me matriculou no (colégio) XV de Novembro, no Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Concluí a 8ª série e depois fui para o (colégio) Nilo Peçanha e, mais tarde, para o Liceu (escola tradicional de Campos). Fiz formação de professora e, à tarde, estagiava com as crianças de CA”, contou ao Extra.
As dificuldades, no entanto, voltaram a interromper os planos. Após engravidar, ela deixou os estudos para ajudar o marido a criar os filhos. A prioridade passou a ser a educação das crianças. “Fazer faculdade era um sonho antigo, mas primeiro realizei o do meu filho”, contou, referindo-se a Marcel, hoje com 40 anos e formado em Engenharia de Produção.
O ensino médio só foi concluído em 2006. Mas pouco depois, outro baque: a morte da filha Franciane, aos 27 anos, vítima de câncer na medula. A perda levou Elenice a um período de depressão profunda. O que a ajudou a se reerguer foi, mais uma vez, a educação.
“Um dia ele chegou em casa e eu tinha tomado um monte de remédio para dormir, e ele falou para eu ir conhecer o curso (no Instituto Federal Fluminense). Isso em 2015. Fiz a minha inscrição, vim para as aulas, aos poucos a depressão foi passando e diminui os remédios controlados. Chegava em casa feliz”, relatou ao Extra.
Como havia se esquecido de muito do que havia aprendido, teve de repetir o ensino médio. Em seguida, iniciou um curso preparatório no Instituto Federal Fluminense (IFF), que a preparou para o Enem e, posteriormente, para a entrada no ensino superior.
“Ao longo dos anos foram várias paradas (nos estudos), mas não me arrependo. Todas foram necessárias”, afirmou.
Com o curso de Pedagogia em andamento, Elenice agora sonha em exercer a profissão. Se não conseguir atuar por meio de concurso público, quer ao menos oferecer aulas voluntárias em comunidades próximas.
“Pretendo dar aulas. Mesmo que não consiga fazer um concurso, pretendo ajudar crianças carentes de uma comunidade perto de onde moro ou, quem sabe, alfabetizar adultos”, completou em entrevista ao Extra.
Ela trabalhou por quase quatro décadas como faxineira em uma escola pública e, mesmo aposentada, continuou realizando trabalhos para complementar a renda da família.
Para Edmar Santos do Rosário, professor do curso preparatório popular do IFF, a dedicação de Elenice é um exemplo para toda a comunidade escolar. Ela participava ativamente das aulas e sentava sempre na primeira carteira.
“Mesmo em uma turma composta, em sua maioria, por jovens, sua presença era uma verdadeira lição de vida. Ela nos motivava diariamente e, muitas vezes, com carinho, dava um “puxãozinho de orelha” nos mais novos, para que valorizassem a oportunidade que a vida lhes estava oferecendo”, destacou.