O Museu de Arte da Bahia completa 107 anos de fundação nesta quarta-feira (23) repleto de novidades, com um novo conceito curatorial, novos espaços expositivos e a inauguração da sala de audiovisual Curta MAB, um espaço para exibição de documentários, curtas-metragens, que pretende ampliar ainda mais a experiência com a arte no ambiente museal. Administrado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural, o MAB reúne um acervo de aproximadamente 20 mil peças, como pinturas, esculturas, mobiliário, porcelanas, fotografias, documentos e diversos objetos que ajudam a contar a história e a diversidade cultural baiana.
Com ambientes que reproduziam a atmosfera de residências aristocráticas e um acervo que remetia aos costumes da elite baiana do século XIX, o museu agora trilha um novo caminho, mais inclusivo e conectado com as demandas do presente. “É um orgulho celebrar mais um ano do MAB, o nosso museu mãe, em plena atividade, com novo conceito, novas exposições, ações educativas, residências e ocupações, agenda semanal movimentada e programações gratuitas. Nosso compromisso é exatamente esse: preservar essa história e garantir que as novas gerações um museu vivo, múltiplo, conectado com seu tempo”, afirma Marcelo Lemos, diretor geral do IPAC.
Durante anos, a forma de expor o acervo do museu evocava o universo doméstico das elites, com destaque para coleções como a do ex-governador Góes Calmon, gerando curiosidade e até confusão sobre a real função histórica do prédio. “O MAB está se abrindo para novas frentes, furar bolhas, unindo o público que acompanhava o museu quando ele tinha uma vertente mais colonial e buscando trazer aqueles que antes não se sentiam representados”, diz Pola Ribeiro, diretor do Museu.
Após a pandemia da Covid-19, uma reforma estrutural no telhado forçou a suspensão da antiga exposição, gerando a oportunidade para que o MAB pudesse repensar sua missão. A proposta agora é ampliar o discurso e valorizar os agentes que historicamente foram invisibilizados — incluindo os artesãos, trabalhadores e artistas marginalizados. “O MAB não pode ser apenas um espaço de contemplação da elite. Ele precisa refletir as múltiplas Bahias que nos constituem”, afirma a historiadora Camila Guerreiro, integrante da Comissão Curatorial de Acervo do MAB.
Com a mudança, o Museu buscou parceria com universidades e convidou os professores Dilson Midlej, Alejandra Muñoz, Joseania Freitas, Lysie Reis, além de Isabel Gouveia e Celene Sousa, ambas do MAB, para compor a nova Comissão Curatorial do Acervo. O objetivo é fazer uma revisão crítica de como essa coleção pode ser exibida, evidenciando questões relacionadas com preocupações atuais, como representatividade étnica, racial e de gênero. Juntos, eles vêm trabalhando em uma revisão profunda, pautada por uma abordagem contemporânea e crítica.
Entre os marcos dessa nova fase está a exposição sobre o artista Héctor Julio Paride Bernabó – Carybé, que serviu como ponto de partida para aproximar o museu do público local. A mostra foi bem recebida e revelou um movimento importante de identificação dos visitantes com a Bahia retratada por Carybé, fortalecendo o vínculo afetivo com o espaço museal. Pela primeira vez, a obra de Carybé,que integra o acervo do museu, foi exposta ao público.
A exposição “Vitória, um Corredor de Histórias” chegou para romper com padrões tradicionais, ao colocar no centro da narrativa os trabalhadores do Corredor da Vitória, uma das ruas mais emblemáticas de Salvador. O documentário e a exposição apresentaram os relatos de seis pessoas, compartilhando suas trajetórias e vivências, com o objetivo de democratizar o acesso ao espaço e reafirmar a importância desses profissionais para a construção da história e da identidade do local no qual o MAB está inserido.
História
Criado inicialmente como Museu do Estado, o MAB surgiu com caráter enciclopédico, reunindo peças históricas, etnográficas e científicas. Fundado em 23 de julho de 1918, o museu funcionava como uma extensão do Arquivo Público, abrigando registros e objetos que ajudavam a compreender a história da Bahia desde os primeiros séculos de colonização. Coube ao historiador Francisco Borges de Barros a missão de organizar o acervo e lançar as bases do que viria a se tornar um dos mais respeitados museus do Brasil.
Entre as décadas de 1930 e 1950, o MAB se fortaleceu como espaço de fomento à arte e à cultura, incorporando importantes coleções. Um marco dessa fase foi a aquisição da coleção de artes decorativas do ex-governador Góes Calmon, que trouxe ao acervo peças de mobiliário, pratarias, porcelanas, cristais e esculturas sacras de grande valor histórico.
A trajetória do museu também é marcada por mudanças de endereço. Antes de ocupar sua atual sede no Corredor da Vitória, funcionou em prédios como o Solar Pacífico Pereira e o Palacete Góes Calmon, símbolos arquitetônicos da capital baiana. Foi apenas em 1982 que o museu se instalou no edifício neocolonial onde permanece até hoje.
“O MAB é um dos 10 primeiros museus do Brasil e surge nesse momento do início do século XX em que novas narrativas precisavam ser criadas para o país pós-Proclamação da República. Assim, os governantes da época reuniram o que acreditavam ser essencial preservar para as futuras gerações”, explica a historiadora Camila Guerreiro. “A partir de 1931, a Pinacoteca do Estado, com mais de 150 peças do médico inglês Jonathas Abbott, é incorporada ao MAB. Entre elas, obras de importantes artistas da Escola Baiana de Pintura. Isso marca o início de um compromisso com o registro da produção artística local”, acrescenta.
Para a historiadora, o MAB guarda aquilo que o povo baiano produziu como arte ou considerava arte em diferentes épocas, sendo um espaço vivo, em constante diálogo com o presente e o futuro. “Temos porcelanas que eram utilizadas no cotidiano, mobiliário fabricado na Bahia, com forte influência colonial. Agora, o desafio é reinterpretar esse acervo com novas linguagens e conceitos que dialoguem com o presente. Você vem ao MAB para descobrir o seu passado, mas também para pensar o seu projeto de presente e de futuro. Ele tem uma relação íntima com o povo da Bahia”
Acervo
Atualmente, o MAB reúne aproximadamente 20 mil obras, de pinturas e esculturas a gravuras, mobiliário, porcelanas e documentos raros. Além disso, abriga uma biblioteca com mais de 12 mil volumes e promove exposições temporárias, cursos, palestras, oficinas, exibições de filmes e atividades educativas.
Entre os objetos mais simbólicos, está o tamborete de baiana também conhecido como “mocho de vendedeira”. Feito em jacarandá, palhinha e Sebastião-de-arruda, o pequeno banco era utilizado por mulheres negras que vendiam seus quitutes pelas ruas de Salvador no século XIX. Essas ganhadeiras, como eram chamadas, usavam o tamborete em sua rotina de trabalho e sua presença no museu, em exposição na sala de mobiliário do século XIX, promove a reflexão sobre os processos de musealização, memória e apagamento histórico. Ao sair das ruas e ocupar um espaço museológico, o tamborete carrega vozes, resistências e histórias que ainda precisam ser ouvidas.
O que vem por aí
O MAB prepara uma programação especial para ocupar o espaço até o fim do ano, em comemoração aos 107 anos de fundação. O público terá a oportunidade de conferir deste obras do fotógrafo, etnólogo e antropólogo francês Pierre Verger, até novos trabalhos do artista plástico, ilustrador e fotógrafo Sergio Rabinovitz, que vai inaugurar a nova Galeria Jardim, na área externa do Museu.