Às vésperas de completar 90 anos, o 14º Dalai Lama, Tenzin Gyatso, anunciou que a instituição espiritual tibetana será mantida após sua morte. Em declaração feita no exílio, o líder religioso confirmou que sua sucessão ocorrerá conforme a tradição do budismo tibetano, encerrando rumores sobre o possível fim da linhagem.
O anúncio, feito em Dharamsala, no norte da Índia, onde o Dalai Lama vive desde que se exilou em 1959, acontece em um momento de forte tensão geopolítica com a China, que ocupa o Tibete desde 1950 e afirma ter autoridade sobre a escolha do próximo líder espiritual.
Segundo o budismo tibetano, o Dalai Lama é a reencarnação do Bodhisattva da Compaixão, que retorna ao mundo para aliviar o sofrimento dos seres vivos. O processo tradicional envolve a busca por um menino que reconheça objetos do líder anterior e passe por testes espirituais e místicos.
No entanto, Pequim defende que o sucessor seja escolhido com base em um sistema imposto pela dinastia Qing, no século 18, com autorização do governo central chinês. A manobra, vista por muitos como política, já ocorreu com o Panchen Lama, segunda autoridade mais importante do budismo tibetano. O menino reconhecido pelo Dalai Lama em 1995 desapareceu após ser detido pelas autoridades chinesas. No lugar, Pequim impôs um sucessor considerado ilegítimo pela maioria da comunidade tibetana.
Em seu livro mais recente, “A Voz de Uma Nação”, lançado em março, o Dalai Lama afirmou que sua próxima reencarnação não nascerá em território chinês, mas sim “no mundo livre”. Ele também previu um cenário de disputa:
“Se houver dois Dalai Lamas, um daqui e outro escolhido pela China, ninguém respeitará o segundo”, declarou, em 2019.
A sucessão será conduzida pela Fundação Gaden Phodrang, criada pelo próprio Dalai Lama em 2011. A China, por sua vez, promete seguir seu próprio processo, o que pode resultar na existência de dois Dalai Lamas — um reconhecido pela comunidade exilada e outro legitimado por Pequim.
Além da China e dos tibetanos no exílio, Índia e Estados Unidos também acompanham o processo de perto. Nova Délhi abriga o governo tibetano no exílio e mais de 100 mil refugiados. Já Washington aprovou, em 2020, uma lei que garante o direito do Dalai Lama de determinar sua própria sucessão e prevê sanções a autoridades chinesas que tentem interferir.