A partir desta segunda-feira (23), a venda de medicamentos como Ozempic, Wegovy, Saxenda e outros agonistas GLP-1 passa a exigir a retenção da receita médica, conforme determinação da Anvisa. A medida foi tomada diante do uso crescente e abusivo desses fármacos sem prescrição médica, especialmente para fins estéticos, o que tem preocupado especialistas da área da saúde.
Os chamados “medicamentos emagrecedores”, originalmente desenvolvidos para o tratamento de diabetes tipo 2 e também indicados para obesidade, vêm sendo consumidos de forma indiscriminada no Brasil. Um estudo apresentado à Anvisa pela pesquisadora da USP Thamires Capello revelou que 45% dos consumidores compraram os remédios sem prescrição médica e, entre eles, 73% nunca tiveram orientação profissional. Mais da metade usou os medicamentos apenas com o objetivo de emagrecer.
A decisão da Anvisa foi motivada por dados do sistema VigiMed, que indicaram um número elevado de efeitos adversos relacionados ao uso fora das indicações aprovadas. A preocupação com a segurança da população também foi reforçada por uma carta do Conselho Federal de Medicina, que defendeu maior controle na venda desses produtos. Atualmente classificados como medicamentos de tarja vermelha, eles já exigiam prescrição médica, mas a prática de não exigir a receita era comum no varejo farmacêutico.
Profissionais da saúde alertam que o uso inadequado desses medicamentos pode gerar efeitos colaterais graves, como desnutrição, perda de massa muscular, queda de cabelo e carência de vitaminas. A endocrinologista Cristina Schreiber, da SBEM, em entrevista ao g1, reforçou que, com acompanhamento médico, esses riscos são monitorados e minimizados. Já o nutrólogo Noé Alvarenga destaca que o uso contínuo e sem orientação leva à perda de eficácia, exigindo doses maiores e resultando em reganho de peso após a suspensão.
A prática de prescrição fora das indicações aprovadas pela Anvisa, o chamado uso off-label, também tem aumentado. A endocrinologista e nutróloga Samara Rodrigues lembra que, em 2022, houve um aumento de 41% nas prescrições desses medicamentos para emagrecimento, muitas vezes sem que os pacientes conhecessem os riscos, entre eles problemas gastrointestinais, pancreatite e alterações na tireoide.
Reportagem recente do programa Fantástico mostrou que, só neste ano, mais de 350 apreensões de medicamentos falsificados e contrabandeados foram feitas em aeroportos do país. Em apenas duas ações, mais de 600 canetas foram confiscadas no Aeroporto Internacional do Recife.
Apesar dos alertas, os especialistas reconhecem os benefícios do tratamento, desde que feito com responsabilidade e sob orientação médica. Estudos recentes indicam que a perda de peso com esses medicamentos pode se aproximar dos resultados alcançados com cirurgia bariátrica. A Novo Nordisk, fabricante de alguns dos produtos, afirmou em nota que compartilha das preocupações da Anvisa quanto ao uso irregular.
Com mais de um bilhão de pessoas vivendo com obesidade no mundo, e 56% dos adultos brasileiros com obesidade ou sobrepeso, o uso responsável desses medicamentos se torna ainda mais urgente. A obesidade é uma doença crônica, com causas genéticas, sociais, culturais e ambientais, e está associada a complicações graves, como diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Especialistas reforçam que hábitos saudáveis, como alimentação equilibrada e prática regular de atividades físicas, devem ser sempre a primeira linha de tratamento.