Gerivaldo Neiva, natural de Irecê, descobriu ser autista aos 53 anos, após uma vida marcada por altos desempenhos acadêmicos, isolamento social e incompreensão
Formado em Direito aos 21 anos e empossado juiz antes dos 30, o baiano Gerivaldo Alves Neiva sempre foi visto como um “menino prodígio”. A trajetória impressionante, no entanto, escondia anos de sofrimento silencioso. O que parecia ser apenas “timidez excessiva” ou “esquisitice” na infância era, na verdade, um quadro de autismo que só seria diagnosticado aos 53 anos.
“Quando recebi o diagnóstico, veio o alívio. Mas tornar isso público agora é uma libertação”, diz Gerivaldo, hoje com 63 anos, em entrevista ao CORREIO, em alusão ao Dia Mundial do Orgulho Autista, celebrado neste 18 de junho.
Natural de Irecê, no centro-norte da Bahia, o magistrado cresceu com sede de conhecimento e dificuldades nas relações sociais. Ainda pequeno, já demonstrava habilidades fora do comum: aprendeu a ler, escrever e fazer contas antes mesmo de ingressar na escola regular. Mas, junto com os elogios pela inteligência, vieram os apelidos cruéis: “CDF”, “sonso”, “esquisito”.
“Eu sempre fui muito calado. Quando fui para a escola aos 7 anos, a diretora chamou minha mãe dizendo que eu não poderia ficar naquela série, porque já tinha aprendido tudo sozinho”, relembra.
A descoberta de uma biblioteca pública aos 10 anos foi um ponto de virada. Gerivaldo mergulhou nos livros e passou a ser conhecido como “gênio” entre os colegas. Na juventude, o fascínio pela matemática deu lugar ao amor pela filosofia e sociologia. Chegou a passar em três vestibulares – Ciências Sociais, Direito e Economia – e optou por cursar os dois primeiros, embora mais tarde tenha deixado as Ciências Sociais de lado.
Mesmo após consolidar sua carreira no Direito, seguiu aprendendo por conta própria: virou radioamador, programador, astrônomo e artesão. O que parecia inquietude, na verdade, era hiperfoco – uma das características do autismo de nível 1 (antigo Asperger), como só viria a descobrir décadas depois.
“Na terapia, perceberam que eu tinha altas habilidades, superdotação, hiperfoco. E, aprofundando, viram que eu preenchia quase todos os critérios para o diagnóstico de autismo. Passei a entender minha ansiedade, o esgotamento em ambientes sociais e a dificuldade de lidar com certos estímulos”, explica.
A vida após o diagnóstico ganhou novos contornos. Com a compreensão veio a aceitação – dele próprio e das pessoas ao seu redor. “Se estou em uma festa e começa a tocar uma música que me causa um ‘curto-circuito’ no cérebro, hoje entendo que preciso sair. E minha esposa compreende que o shopping, por exemplo, me causa uma sobrecarga sensorial. Eu não preciso mais fingir ou me culpar.”
Gerivaldo decidiu tornar pública sua história como parte de um processo terapêutico – e também como contribuição social. “Faço isso pelas crianças autistas, por suas mães, por adultos que ainda não aceitam o diagnóstico. Isso pode mudar vidas.”
Para ele, um diagnóstico precoce teria evitado muitos traumas. “Eu teria sofrido menos, tomado menos remédios, feito menos terapias. Teria tido uma vida mais tranquila.”
Ao final da conversa, o juiz faz um apelo às famílias que ainda resistem ao diagnóstico: “Se uma mãe aceitar o autismo do filho, o próximo passo é acolher, buscar apoio. Porque ele pode ser, como eu, juiz de Direito um dia.”