Pesquisadores localizaram as primeiras ossadas humanas no antigo cemitério de escravizados do Campo da Pólvora, em Salvador. O local estava encoberto há quase dois séculos e hoje funciona como estacionamento do Complexo da Pupileira, no bairro de Nazaré. A descoberta foi anunciada durante coletiva realizada na sede do Ministério Público da Bahia, nesta segunda-feira (26).
Coordenado pela arqueóloga Jeanne Dias, o projeto identificou ossos largos e dentes enterrados a cerca de 2,5 metros de profundidade, em solo úmido e ácido, o que comprometeu a preservação dos materiais.
As ossadas, ainda frágeis, passarão por tratamento de conservação. Embora nenhuma imagem tenha sido divulgada, a equipe considera o material um patrimônio sensível de grande valor histórico e simbólico.
As escavações começaram em 14 de fevereiro deste ano, coincidindo com os 190 anos da Revolta dos Malês. Dois dias depois, surgiram os primeiros fragmentos. A expectativa é de que os corpos de mártires da Revolta dos Malês, da Revolta dos Búzios (1798) e da Revolução Pernambucana (1817) estejam entre os enterrados no local.

Foto: Divulgação
A existência do cemitério foi confirmada após pesquisa de doutorado da arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, da Universidade Federal da Bahia. A partir de mapas do século 18, documentos históricos e registros da Santa Casa de Misericórdia, a pesquisadora mapeou a área, esquecida pela cidade desde o fim das atividades em 1844.
Segundo ela, os sepultamentos eram realizados em valas comuns, sem cerimônias ou estrutura mínima, e incluíam não apenas escravizados africanos, mas também indígenas, ciganos e pessoas pobres que não podiam pagar pelo enterro.
O cemitério funcionou por mais de 150 anos, sob administração da Câmara Municipal e, posteriormente, da Santa Casa. A própria Santa Casa foi informada da redescoberta do local em 2024, mas não respondeu aos contatos.

Foto: Silvana Olivieri
A intervenção arqueológica só teve início após articulação entre Silvana, o professor de Direito da Ufba Samuel Vida e o Ministério Público da Bahia, que mediou o processo de conciliação e liberou as escavações em março.