A voz sensual, o jaleco e a rosquinha de chocolate na mão completam o cenário perfeito. “Tem muita gente perguntando como a rosquinha deve estar no dia do exame do preventivo de próstata. Ah, pessoal. Para de bobagem. Não importa como ela vai estar. Cabeluda, lisa, com algo para prender os cabelos, os cachos. Já foram mais de 20 mil exames de próstata que realizei, então nada me surpreende”, diz o médico urologista Roberto Rossi Neto, em um vídeo que chegou a 3,6 milhões de visualizações no Instagram e um milhão no TikTok.
Se você nunca se deparou com um dos vídeos de doutor Rossi sendo compartilhados nas redes em que acumula mais de 20 mil seguidores em cada uma das plataformas, talvez estranhe a informalidade. Seja com uma banana, uma rosquinha, uma mesa de bolos ou até a famigerada ‘vaselina de bambu’, o urologista baiano tem conseguido falar de temas de saúde ainda considerados tabus para a maioria dos homens.
“Eu tinha a impressão de que os médicos falavam para colegas, nas redes sociais. Falavam para outros médicos. E isso começou a me incomodar muito. Pensava: ‘gente, as pessoas não vão captar essa mensagem”, lembra, em uma conversa com a reportagem na última terça-feira (20).
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Doutor Rossi via essa falta de sintonia e sabia que a linguagem precisava ser diferente. Muito disso vinha da experiência de anos trabalhando no serviço público. Até pouco tempo, além do consultório particular em Salvador, ele era o coordenador do serviço de urologia do Hospital Geral Ernesto Simões; atualmente, coordena o serviço no Hospital Geral de Camaçari. No currículo, tem tanto a formação em Medicina pela Universidade Federal da Bahia quanto especialização em cirurgia pelo Hospital Geral Roberto Santos. A formação em urologia, incluindo seu doutorado, foram na Alemanha, onde morou por 13 anos.
Pouco antes de conversar com o CORREIO, ele atendia um paciente que tinha vindo de Valença para vê-lo. O paciente não tinha falado nada até que, no final da consulta, soltou que tinha conhecido o médico no Instagram. “Doutor, eu não acreditava que o senhor fosse igual ao que é na rede social, mas não muda nada. É até mais engraçado”, disse o homem. A explicação é óbvia, para o doutor Rossi. “Eu ajo nos vídeos como ajo com meus pacientes no consultório. Não criei personagem”, diz.

O médico urologista Roberto Rossi Neto viralizou nas redes sociais pela linguagem acessível Crédito: Marina Silva/CORREIO
Natural
Apesar disso, a decisão de fazer os vídeos veio apenas no fim do ano passado, catalisada também pelo Novembro Azul, campanha para a conscientização e prevenção do câncer de próstata. Nesse período, todos os anos, doutor Rossi costuma dedicar muito tempo a dar entrevistas e palestras gratuitas para a população. A linguagem nesses contextos, na avaliação dele, era eficaz porque tanto fazia com que as pessoas entendessem quanto fazia com que procurassem um médico.
Numa dessas entrevistas, visitava uma rádio quando encontrou um comunicólogo que fez uma proposta para ajudá-lo com as redes. Naquele mesmo dia, após conversarem, fizeram o primeiro vídeo: o da vaselina de bambu do doutor Rossi, que é uma forma descontraída de falar sobre o exame de toque retal.
Foi sem roteiro mesmo, como ele falaria com um paciente. E, desde então, tem sido assim. “O único vídeo que teve script foi horrível, flopou pesado”, conta ele, com a familiaridade de que quem conhece as expressões típicas das plataformas digitais. (Se você não conhece, ‘flopar’ é uma expressão aportuguesada que veio do inglês e significa ‘fracassar’). Apesar da familiaridade hoje, nem sempre o urologista foi tão digital. “Não era tiktoker, instagrammer, nada. Tinha alguns cards no meu perfil e no da clínica, mas só. Agora, eu uso, acompanho também outros perfis”, conta.
Até hoje, a equipe é composta apenas por esse profissional, que é quem fica por trás da câmera. Em geral, eles se reúnem uma vez por semana para decidir os temas e fazer os registros para serem postados nos dias seguintes. Em alguns casos, gravam vídeos para diferentes situações – como no último fim de semana, que teve Ba-Vi. Tinha um para cada cenário: um para caso o Bahia vencesse, outro para caso fosse o Vitória e um para empate. Sua torcida, como fez questão de comentar, era pelo primeiro.
Para doutor Rossi, essa naturalidade é um dos fatores que ajudou a criar a conexão. É comum que os usuários das redes façam comentários interagindo. “Isso aqui é o TikTok premium”, brincou um usuário (afinal, não existe versão premium da plataforma). “Só a pausa dramática deu dor no João”, escreveu outro, em um dos vídeos mais recentes, em que fala sobre a fratura no pênis. “Eu sou um ‘quinta série’ nato. Me amarro numa resenha e sou muito grato ao universo por essa galera que interage comigo”, diz o médico.
Sempre depois da chamada e da brincadeira, vem a parte séria e o doutor explica tanto o que acontece quanto o que deve ser feito. “Mas tenho muito hater (as pessoas que publicam comentários de ódio) me esculhambando. tem gente que chega e diz ‘a que ponto um médico tem que chegar para conseguir pacientes?’. Quem trabalha com rede social sabe que o retorno não é direto, a menos que você venda algo online. O médico não vende consulta online”, acredita.
O que acontece, de fato, é que ele passou a ser um urologista de referência para muita gente, especialmente para as gerações mais jovens. Se uma pessoa da família o conhece pelos vídeos, pode indicar ‘o urologista do TikTok’. Até o momento, contudo, não é tão comum. A maioria de seus pacientes são idosos.
Esses, por sua vez, têm achado engraçado saber que seu médico agora é conhecido na internet. “Eles não acreditaram, por ser uma clientela bem idosa. Eu adoro essa clientela. Tenho um carinho, cuido mesmo. Não vi ninguém falando que estava exagerado, pelo contrário. Teve até quem falasse: ‘ave Maria, minha neta veio me trazer um vídeo de urologista e eu disse que era meu médico”.
Apesar dessa parcela de pacientes ainda ser pequena, ele considera que o seu trabalho é mais amplo. “Teve uma senhora que mandou mensagem dizendo que não conseguia convencer o marido ir ao urologista de jeito nenhum. Essa semana, ela me escreveu dizendo que ele aceitou fazer o exame. Para mim, isso foi uma vitória grande, porque sei que é um tabu gigantesco para muitos homens. Se eu consigo quebrar isso de alguma maneira, não importa se eles não vêm me ver. Desde que ele decida cuidar de si e ir a um urologista, não tem presente melhor para mim”, completa.