Era 2019 quando a cantora e ativista baiana Sarajane foi às redes sociais, com a voz embargada, para dizer que a sede da ONG ACASA, após 20 anos de funcionamento no Santo Antônio Além do Carmo, corria risco de fechar as portas.
O espaço, tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), começou a cobrar aluguel, e a instituição não tinha mais como se manter ali. Muita gente se comoveu. Mas foi pouco perto do que era preciso para garantir a permanência da ONG. ACASA teve que sair.
Agora, quase seis anos depois, Sarajane celebra um recomeço: nesta terça-feira (7), ela inaugura a nova sede da ONG, no coração do Pelourinho, mais precisamente na Rua do Taboão. Uma nova fase para a instituição que está prestes a completar 29 anos de história, e que impactou profundamente a vida de centenas de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social.
“Atravessar os períodos de incerteza é arriscar, mas quando se tem um objetivo de ajudar as pessoas, como a ACASA tem, a gente ora, coloca as mãos para o céu e espera que Deus e a espiritualidade abram os caminhos”, diz Sarajane, em entrevista ao Alô Alô Bahia. “Começamos num lugar que ninguém acreditava e hoje somos referência. Fizemos um bom trabalho”, afirma.

Foto: Divulgação
Criada nos anos 1990, a Associação Criança na Arte Sarajane nasceu da inquietação da artista com a desigualdade e a falta de oportunidades para crianças e adolescentes da região do Centro Histórico. Desde o início, ofereceu aulas de balé, percussão, teatro, artesanato, cursos profissionalizantes e momentos de acolhimento.
“A primeira coisa que eu quis quando abri a entidade foi colocar o balé. Eu queria fazer quando era criança e não podia pagar. Balé era um curso caro demais”, lembra.
Mas Sarajane deixa claro que a ACASA nunca foi pensada para formar artistas: “Isso é uma consequência. O que a gente quer é formar cidadãos. Mostrar que existem portas abertas através da arte, da cultura, da educação”.

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Os frutos estão por toda parte. Ex-alunos da ONG hoje tocam em bandas famosas, atuam no teatro fora do Brasil ou ocupam posições profissionais de destaque. Um deles, Ícaro Sá, faz parte da banda BaianaSystem. Outro, virou DJ do grupo do Ministério Público.
“A transformação mais profunda, na verdade, foi em mim. Porque quando você ajuda alguém, você também está se transformando”, conta ela.
E nem tudo são histórias leves. Algumas ferem e exigem coragem. “Teve uma menina que tinha medo de fazer 15 anos, porque o pai abusava das filhas nessa idade. A gente conseguiu protegê-la, com apoio do conselho tutelar. Foi uma das histórias que mais me marcaram”, relata Sarajane.
A nova sede, no Taboão, representa mais do que um endereço: é um símbolo de resistência. “Ali é um lugar cheio de história. Passaram os malês, é a verdadeira Baixa dos Sapateiros, tem a igreja de Santa Luzia, o chafariz dos jesuítas. É um lugar que precisa de amor, de cuidado. São 380 famílias na comunidade precisando de tudo que você possa imaginar”, ressalta.
A cantora conta que comprou o imóvel “quase em ruínas”, parcelado, reformou aos poucos, com as próprias mãos. “Ainda não tem piso, mas vou inaugurar assim mesmo. Eu mesma decorei, limpei, varri, junto com Alice Castro, que é a diretora da ONG. É uma loucura, mas é uma loucura do bem”, diz.

Foto: Divulgação

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Manter a ACASA ativa nunca foi simples: “Muitas vezes chorei por não conseguir apoio. Porque as pessoas não acreditam na educação, não acreditam que arte transforma. Mas eu sigo, fazendo meus shows, vendendo ingressos, almoços, jantares… para manter de pé”.
Mesmo diante de tantos obstáculos, o sentimento que move Sarajane segue o mesmo: “Resistimos porque temos amor. A ONG é feita disso”.
A inauguração da nova sede marca o início de um novo ciclo. Mas o sonho é o mesmo que deu origem à ONG quase 30 anos atrás: transformar o mundo, começando pelo agora, começando por aqui. “Se uma única vida foi salva por esse projeto, já valeu”, conclui Sarajane.