O legado que saiu do Tibete (província chinesa), atravessou oceanos e chegou a Salvador na década de 1970 está mais vivo do que nunca. Se na época o desafio era entender o que eram essas tais de medicina chinesa e filosofia taoista, em 2025 o difícil é escolher a qual estabelecimento recorrer para uma sessão de massagem e acupuntura diante de tanta oferta.
Um dos primeiros a aplicar acupuntura e massoterapia na Bahia, o tibetano Ma To Chi faleceu em 2021, mas os conhecimentos permaneceram no mercado pelas mãos dos filhos Thales, de 51 anos, e Alberto, de 43. O primeiro seguiu com o centro de terapias chinesas Man Zu Dao, que coordena desde 2005 e funciona no Rio Vermelho. O segundo, junto com a esposa Lica, reestruturou o centro cultural fundado pelo pai, em Brotas.
O Centro Cultural Brasil-China foi criado por Ma To Chi na década de 1990, tinha aulas de culinária, aulas de idioma, palestras e foi essencial para que o tibetano se tornasse um dos maiores disseminadores da cultura chinesa no Brasil. Depois da morte do pai, Alberto mudou o nome do local para Ma To Chi. Agora, está voltado somente para acupuntura e massoterapia.
O termo não fazia parte do vocabulário de Ma To Chi. “Meu pai morreu achando isso uma bobagem, ele defendia que chamassem de massagem mesmo. A questão é que o apelo sexual se apropriou do termo”, explica Thales. Foi preciso dissociar a massagem chinesa daquelas dos classificados dos jornais. Os atendimentos acontecem por indicação e, pelos dois locais, passam clientes de várias gerações de uma mesma família. Mas, vira e mexe, aparece um desavisado. “Já ligaram para saber se a massagem tinha final feliz e se as meninas atendiam de calcinha e sutiã”, conta Thales.
Técnica
Originalmente, na China, a massagem pode até ser aplicada no meio da rua, por cima da roupa mesmo.
Foi no Brasil que encontrou a falta de tabu para o contato direto com a pele e o óleo para facilitar o deslizamento das mãos. Thales faz questão de frisar: massoterapia é para pressionar. O foco, seguindo as raízes orientais, não é o relaxamento. A técnica usada por Ma To Chi é a combinação de acupuntura e massagem do tipo Tui Na, da medicina tradicional chinesa. O objetivo é atingir os meridianos, que são pontos encontrados em terminações de fibras musculares, nervos e tendões. Por isso, ajuda no alívio de dores e tensões.
A prática chegou ao Brasil pelos imigrantes chineses no século 20 e, em 1995, a acupuntura foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina como especialidade médica. Ma To Chi saiu do Tibete com os pais como refugiado na época do governo comunista de Mao Tsé Tung que anexou a província, apesar da resistência. Grande parte dos tibetanos foi para os Estados Unidos e outra parte encontrou abrigo no Brasil, principalmente em São Paulo, como no caso da família de Ma To Chi, em 1962.
Em Salvador para visitar amigos, Ma To Chi se apaixonou por uma baiana, a mãe de Thales. Os dois filhos que dão continuidade aos negócios da família são irmãos somente por parte de pai. Ma To Chi teve seis filhos e nove netos. Todos os irmãos sabem aplicar massagem e acupuntura, apesar de somente os dois atuarem profissionalmente. Alberto é médico com título de acupunturista. Já Thales tem formação de teólogo e curso de acupunturista.
Corpo e mente
No centro Ma To Chi, Alberto, a esposa e mais 15 massoterapeutas preenchem as lacunas que a medicina ocidental deixa, segundo o descendente chinês. Enquanto médico e acupunturista, ele diz que busca integrar a medicina chinesa e a ocidental. “O importante é saber a hora de buscar uma ou outra, quando integrar as duas, os limites dessa interação”, coloca Alberto.
Ele explica que a massagem é a acupuntura feita com as mãos e que as duas modalidades promovem relaxamento dos músculos, liberação de neurotransmissores, melhora do sistema imunológico e equilíbrio hormonal. “A recomendação médica pode ser para questões crônicas, com ciclos de tratamentos, ou agudas, com uma série de sessões. Depende de cada paciente e da avaliação de cada médico. Mas é sempre importante ter o diálogo e aqui no Ma To Chi sempre fazemos na primeira vez que a pessoa vem. Numa crise de coluna, por exemplo, a compressão pode piorar ao invés de ajudar”, pondera Alberto.
As principais queixas de quem busca o Ma To Chi, em Brotas, e o Man Zu Dao, no Rio Vermelho, são as dores na coluna e nas articulações e as questões relacionadas à saúde mental, como ansiedade, estresse, depressão e insônia. “Para a medicina chinesa, existem cinco grandes órgãos: coração, fígado, pulmão, baço e rim. Esses órgãos têm sentimentos. A ansiedade a gente processa no coração, a raiva no fígado, a tristeza no pulmão, o medo no rim e o excesso de preocupação e pensamento no baço”, ensina Thales. “As pessoas estão muito enraivadas e isso consome a energia do fígado, mexendo com nervos e tendões. Como o baço, ligado à preocupação, rege a musculatura, é comum que as pessoas com a mente barulhenta fiquem com musculatura tensa e ombros doloridos”, acrescenta.
Equilíbrio
Alberto lembra que o pai encarava o conceito de saúde como sinônimo de bem-estar físico e mental. Se algo não estava bem, todo o resto ficava desequilibrado. Thales, por outro lado, confessa a falta de rigor do pai. “Ele fumava, bebia refrigerante. Não queria saber de médico e foi ao hospital pela primeira vez quando teve um AVC, aos 65 anos”, revela. O filho busca a prevenção, entendendo que ela tem um limite. “Em algum ponto temos que recorrer à medicina tradicional. Não sou contra hospital, remédio e vacina. Nem aqui, nem na China”, decreta.
Ele diz saber muito bem que “acupuntura não faz milagre” e recomenda uma ida ao médico para os clientes que considera que precisam. Também indica para todos que complementem qualquer tratamento com atividade física, boa alimentação, momentos sozinhos para conexão com a natureza e respiração correta. Legado Alberto diz se considerar um herdeiro dos conhecimentos e da filosofia de vida de Ma To Chi, assim como o irmão, Thales. Os dois cresceram convivendo com as práticas do pai de acupuntura e massoterapia. Foi natural o processo de migrar de modelos nas aulas que o pai ministrava para alunos do curso.
Os alunos já manipulavam as agulhas no primeiro dia. “Lembro do primeiro dia de aula. A primeira coisa que tratei em mim foi o joelho e ficou roxo. Mas foi bom que aprendi a não deixar o joelho de mais ninguém roxo”, conta Thales. Os dois irmãos dizem que fizeram as próprias escolhas e que nunca houve cobrança por parte do pai para que seguissem esse caminho. A única cobrança vinha de outras pessoas.
“Uma vez atendi uma paciente de meu pai e ela disse, com cara de poucos amigos, que queria ver se eu era tão bom quanto meu pai. Na hora, eu brinquei que diz a lenda que o discípulo sempre supera o mestre, mas aqui nunca teve isso de querer superar. Meu pai sempre ensinou que conhecimento a gente compartilha”, lembra Thales. O centro Ma To Chi, administrado por Alberto e a esposa Lica, funciona em Brotas no mesmo espaço onde o tibetano abriu o Centro Cultural Brasil China. É um desejo da família manter a casa por conta da referência histórica e de todas as memórias.
O casal não descarta um projeto de expansão para outros locais, quem sabe contando até com a ajuda dos filhos. “O mais velho tem 21, o do meio 19 e o mais novo tem 12. O mais velho já fez o curso de massoterapia e já está aplicando massagem na gente. Eu ficaria muito feliz se ele seguisse esses passos, mas deixo bem livre, sem pressão, faço como meu pai fazia comigo”, compartilha Alberto.
O legado pode seguir com a família nas próximas gerações ou não, mas, certamente, seguirá por outras mãos. Tanto no Ma To Chi quanto no Man Zu Dao, são ofertados cursos para a formação de massoterapeutas Tui Na, de cerca de dois meses de duração. “Tem gente de vários lugares do mundo, principalmente no verão, e diferentes profissões”, compartilha Thales.
Onde encontrar
Endereço: Praça Frei Hildebrando Kruthanp, 26A, Brotas | Telefone: (71) 3013-6928 e (71) 98397-6448 | Instagram:
Funcionamento: Segunda à sexta, das 7h30 às 17h, e sábado, das 7h30 às 12h
Valores: Acupuntura+massagem (primeira consulta) R$165,00 / Acupuntura+massagem (demais consultas) R$155,00 / Somente massagem R$130,00 Man Zu Dao Endereço: Rua dos Tamoios, 240, Rio Vermelho | Telefone: (71) 3354-6081 e (71) 99186-6081
Man Zu Dao
Endereço: Rua dos Tamoios, 240, Rio Vermelho | Telefone: (71) 3354-6081 e (71) 99186-6081 | Instagram: @manzudao | Funcionamento: Segunda a sexta, das 8h às 17h, e sábado, das 8h às 14h Valores: Não informados