Sentado em frente à orla da Ilha de Itaparica, ao lado do Forte de São Lourenço, o salva-vidas e pescador Alexandre Domício lamenta a diminuição de peixes na Baía de Todos-os-Santos. Na quarta-feira (8), seu olhar atento acompanhava a missão que busca erradicar, de maneira inédita, uma espécie invasora que impacta a biodiversidade da região. Há mais de um ano, pescadores da Ilha alertaram autoridades sobre a aparição de um octocoral nunca antes visto na Bahia.
Xandinho, como é conhecido, faz parte do grupo que acompanha a reprodução acelerada do Chromonephthea braziliensis – nome científico do coral natural do Oceano Pacífico. O organismo é considerado uma espécie invasora no Brasil e foi identificado no Rio de Janeiro na década de 1990. Por não ter predadores naturais, o octocoral se espalha rapidamente pela Baía, afastando peixes e prejudicando o ecossistema local.
Se antes os pescadores encontravam com facilidade peixes do tipo robalo, nos arredores da Marinha de Itaparica, os animais estão cada vez mais raros. Quando são encontrados, são pequenos. Realidade muito diferente de três anos atrás. “Antes, o que mais tinha aqui era robalo e tainha. Robalo de cinco, até 10 quilos. Eles sumiram depois que o coral cresceu”, contou Xandinho. Os robalos vendidos na Ilha são amplamente utilizados na gastronomia baiana.
Os impactos da bioinvasão são estudados por pesquisadores que trabalham na missão. Na prática, o octocoral estrangeiro se sobrepõe aos corais nativos, ocupando espaço e disputando alimentos. Os peixes se afastam ao encontrarem um ambiente diferente do qual estavam acostumados.
Quem explica é Tiago Porto, superintendente da Secretaria do Meio Ambiente da Bahia (Sema). “Quando esse coral começa a ocupar o espaço das espécies nativas, desestrutura todo o ecossistema. Espaço é o recurso mais importante para os corais. Como eles não se movem, os invasores impedem que eles cresçam”, afirma.
Ao se expandir, o octocoral reduz a disponibilidade de alimentos para peixes que habitam os recifes. Isso é o que tem acontecido na Ilha de Itaparica. Uma força-tarefa inédita, que reúne pesquisadores, órgãos estaduais e federais, além de voluntários, tenta descobrir maneiras de erradicar a espécie.
Testes estão sendo realizados na Ilha de Itaparica. Na quarta-feira (8), o CORREIO acompanhou uma das missões. Os especialistas perceberam que a retirada manual da espécie, além da injeção de sal azedo (ácido oxálico), dão bons resultados. Mas não basta arrancar o coral do mar. O processo exige cautela para que outros seres não sejam prejudicados. Se retirado de forma errada, o coral se multiplica com ainda mais velocidade.
“O tratamento com sal azedo e a raspagem manual se mostraram mais efetivos. A pilastra onde os corais foram retirados continua limpa, e os que receberam sal azedo estão soltando da pilastra e morrendo”, disse a bióloga Tatiane Silva Aguiar, especialista em bioinvasão. Uma nova checagem nos próximos dias deverá confirmar a análise realizada nessa quarta-feira.
Inicialmente, os corais foram identificados nos pilares da Marinha, na praia conhecida como Píer do Vapor, em postes de navegação e em um recife próximo à Ilha do Medo, na Baía de Todos-os-Santos. Segundo pescadores da Ilha, nem o Ariadne Pandellis, navio que afundou na região em 1936, escapou da colonização do octocoral.
O que se sabe sobre a espécie
Trata-se de um octocoral de aparência flexível e carnosa, encontrado em tons avermelhados ou branco. Em alguns pontos próximos à costa da ilha, chegam a medir dois metros. Ele se reproduz rapidamente, de maneira assexuada ou sexuada, e tem nome difícil: Chromonephthea braziliensis. Apesar da nomenclatura, o coral não tem origem no Brasil e foi identificado pela primeira vez no Rio de Janeiro, na década de 1990.
“Agora que nós temos indícios dos melhores métodos para retirada desse bioinvasor, vamos proceder com a autorização para que a remoção possa ser feita”, explicou a bióloga Luana Ribeiro. A Baía de Todos-os-Santos é uma Área de Proteção Ambiental (APA) sob responsabilidade do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), parceiro na ação.
A expectativa é que a Pró-Mar, organização da sociedade civil de caráter socioambiental, seja autorizada a retirar os corais. Ela já pratica a remoção do coral-sol, outra espécie invasora que ameaça a Baía de Todos-os-Santos mas que, devido ao espalhamento, não pode mais ser erradicada.