A história do já icônico “Ainda Estou Aqui”, filme dirigido por Walter Salles, transporta o espectador para o Rio de Janeiro da década de 1960, no contexto de uma ditadura militar que se intensificava. Para retratar o cotidiano da família Paiva, o diretor optou por uma casa histórica localizada na Urca, bairro carioca que conserva um ar de antigamente. Porém, o filme se passa no Leblon, na importante Avenida Delfim Moreira, onde a família Paiva vivia antes do desaparecimento do engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva.
A casa onde a família realmente morava no Leblon foi um sobrado de dois andares, situado à beira-mar, entre as poucas residências que existiam na região, à época. O endereço histórico foi cenário real de muitos momentos de convivência familiar e reuniões com amigos, até o dia fatídico em que Rubens Paiva foi levado por militares à paisana e nunca mais retornou. Mas, a última casa remanescente daqueles tempos foi vendida em 2020 por R$ 52 milhões.
Hoje, o terreno, que fica no número 80 da Avenida Delfim Moreira, abriga o edifício Saint Paul de Vence, um prédio moderno de poucos andares e um condomínio exclusivo com apenas 5 unidades, que reflete as transformações sofridas há 40 anos pelo bairro, desde quando o boom imobiliário e a gentrificação desfigurou a paisagem original. O endereço fica exatamente em frente à praia, na esquina com a rua Almirante Pereira Guimarães.
Fato é que, após o sequestro de Rubens, a família Paiva passou a viver em São Paulo, e a casa no Leblon virou o restaurante francês “La Cage Aux Fromages” – bem como está retratado no longa e no livro que deu origem ao roteiro, escrito por Marcelo Rubens Paiva. A páginas de “Ainda Estou Aqui” narram a transição e relatam que a casa “continuou do mesmo jeitão por anos”, até ser transformada no estabelecimento comercial. “Dizem que era um bom restaurante”, detalha Marcelo.
Nisto, para recriar a atmosfera daquela época no filme, Salles optou por uma casa na Urca, cujo estilo da construção remete ao Rio antigo. A residência, comprada em 2021 por R$ 14 milhões, foi alugada para as filmagens. Ela fica no cruzamento da rua Roquete Pinto com a João Luiz Alves, defronte à mureta. Atualmente, não há moradores. Embora tenha sido uma escolha estratégica do diretor, o imóvel da Urca tem um valor de mercado bem inferior ao da antiga residência no Leblon, que chegou a ser vendida por mais de R$ 50 milhões.
“Ainda Estou Aqui” resgata, com maestria, um pedaço da memória do Brasil durante os anos de chumbo, período conturbado em que a ditatura e o sofrimento de famílias como a dos Paiva marcaram para sempre a história do país. O filme, mais do que uma reconstituição de um tempo de repressão, é um exercício de memória, por trazer à tona questões de perdas e resistências que atravessam gerações.