Filha lembra relembra lado musical de Paulo Leminski, que completaria 80 anos neste sábado

Filha lembra relembra lado musical de Paulo Leminski, que completaria 80 anos neste sábado

Redação Alô Alô Bahia

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Agência Brasil

Itaú Cultural/Divulgação

Publicado em 24/08/2024 às 14:11 / Leia em 6 minutos

Paulo Leminski não foi contemporâneo da internet, mas é possível relacionar sua obra a ela, pela variedade de estilos e referências. Marcado pelo impulso de constantemente criar, é, até hoje, visto como uma figura altamente produtiva, que foi de poeta a judoca, contrariando a opinião daqueles que acham que quem desenvolve atividades muito diversas faz tudo de modo medíocre ou deixa algumas inacabadas.

Muitas pessoas desconhecem as composições musicais de Leminski, principalmente porque a tendência é a de se atribuir a autoria ao intérprete da obra. No caso do curitibano, as parcerias incluíram nomes de gigantes da música, como Itamar Assumpção e Caetano Veloso.

A escritora e musicista Estrela Ruiz Leminski tinha 8 anos quando o pai morreu. Não se pode dizer que o conheceu tão pouco porque, embora fosse nova quando ele faleceu, a convivência se esticava e se fortalecia ao longo dos dias, salpicando o cotidiano com um bem-querer recíproco e certo grau de comicidade.

Enquanto a mãe trabalhava fora, como publicitária, o expediente dele era cumprido em casa, onde cuidava de Estrela e podia ser “uma pessoa obsessiva, que trabalhava o dia inteiro”.

A musicista conta que foi o pai a primeira pessoa a incentivá-la a fazer suas próprias invencionices no ramo. “Foi a primeira pessoa que colocou um violão no meu colo e falou: Vamos fazer uma composição'”, relata.

Às vezes, Estrela acordava de madrugada, e seu pai colocava O Gordo e o Magro para que assistisse até cair no sono novamente. Além disso, Paulo Leminski adorava histórias em quadrinhos de terror e as lia para ela, o que irritava a mãe, e ensinou os filhos a arremessar facas e a fincá-las nas paredes. “Ele adorava bangue-bangue, ele tinha isso. Eu me lembro de ele me levar para ver luta livre, eu, pequena. Era um Paulo meninão. Foi isso que ficou”, recorda.

Estrela lembra que o pai era um estudioso de vários idiomas e culturas, como a japonesa, e tem como uma de suas singularidades a poesia rápida. “Toda vez que tentam colocar um rótulo no meu pai, ele escorrega”, diz ela, justificando que isso ocorre porque buscava conhecer inúmeros movimentos culturais e outros campos, como a geografia.

“A gente sempre sentiu necessidade de trazer para as pessoas todas as facetas e complexidades”, sublinha.

Um lado explorado, mas pouco reconhecido de Paulo Leminski, é o da música. Um dos motivos por que parte de suas obras ficou oculta foram as proibições de agentes da ditadura instaurada com o golpe de 1964.

Recentemente, apareceram canções inéditas do meu pai com o Ivo [Rodrigues] que o Blindagem [banda de rock em que Ivo era vocalista] ia gravar, mas tinham caído na censura, tinham sido vetadas pela censura, na época da ditadura [civil-militar]. Foi uma coisa que ficou parada”, explica a filha do escritor. Segundo ela, sua família pretende organizar ainda mais os itens que compõem a biografia de Paulo, incluindo um sistema com termos que facilitem buscas.

“Eles foram tocando o barco. Foram gravando as que estavam autorizadas, mas tem músicas inéditas. Tem todo um material que a gente ainda está organizando e a ideia é fazer uma nova redigitalização, porque a tecnologia avançou absurdamente nesses últimos dez anos”, emenda, esclarecendo que o site que agora hospeda o festival dará lugar ao do Instituto Paulo Leminski, gerido, principalmente, pela irmã, Áurea Leminski.

Legado
Há 22 anos companheiro de vida e de trabalho de Estrela, o músico, produtor e compositor Téo Ruiz assume que, quando esbarraram um no outro, ele não tinha noção da grandeza da obra de Paulo Leminski. Hoje percebe como sabia manejar o simples, sendo que isso é, na verdade, algo complicado de se fazer. Ruiz, que até já coordenou uma exposição, a Múltiplo Leminski, ainda relaciona as criações do curitibano às do soteropolitano Dorival Caymmi e às do recifense Lenine.

Estrela preparou e lançou, em 2014, o disco duplo Leminskanções, com músicas inéditas de Paulo Leminski e alguns de seus parceiros, lançado em 2014. O projeto ainda rendeu, um ano depois, um livro de canções com mais de 100 músicas de Leminski. Artistas consagrados, como Moraes Moreira, Zélia Duncan e Zeca Baleiro, participaram da iniciativa.

Uma das sensações que existem atualmente, pontua Estrela, é a de que ela e a família fazem “o gerenciamento de carreira de alguém que não está mais aqui“. Contudo, há limites. Sua mãe, Alice Ruiz, se recusa a dar entrevistas sobre o companheiro, reafirmando seu posto de mulher que não permite que a transformem em um acessório ou alguém menor, que apenas auxiliou um homem a alcançar a notoriedade.

“Ela fala: minhas filhas tocam o barco [em torno das obras de Paulo Leminski] e eu quero dar entrevista sobre a minha obra, porque eu ainda estou produzindo”, diz Estrela. “Desde o primeiro livro, ela estava com ele quando ele publicou e acompanhou boa parte da produção e um outro livro ele enviou para a minha mãe antes de enviar à [editora] Brasiliense. E deixou um livro organizado, que é O Ex-Estranho. Minha mãe estava lá, in loco, dizendo o que estava passando na cabeça dele”, acrescenta.

Segundo Estrela, a responsável por concretizar a publicação do livro Toda Poesia foi sua mãe. “Foi um ato de amor, de acompanhar cada manchinha no papel, na edição, até para reproduzir aquela coisa caótica e frenética de sair escrevendo, produzindo a mancha no papel e de ter o máximo de poesia por página, para ser uma coisa popular e barata. A gente trabalhou para que fosse algo definitivo e de impacto”, conta.

Para Téo Ruiz, o que Paulo Leminski deixou foi um presente bastante longevo e de impressionante contemporaneidade. “Ele era um mundo inteiro.”

Festival
Por conta da data, sua família, que ainda destina muitas e muitas horas à preservação de sua memória, organizou o Festival Paulo Leminski, que será realizado na pedreira que leva seu nome, também hoje. O evento reunirá nomes como Arnaldo Antunes, Paulinho Boca de Cantor, da banda Novos Baianos, e A Banda Mais Bonita da Cidade, todos tocando composições de Leminski. A proposta é reunir diversas gerações que o influenciaram nos processos criativos.

A programação conta ainda com uma feira literária, intervenção de grafite e oficinas. Na tarde desta sexta-feira (23), os três lotes de ingressos estavam esgotados e havia fila de espera de mil pessoas.

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