Numa semana comum de trabalho, a pneumologista Larissa Voss costuma atender uma média de uma pessoa acometida com pneumonia. Por vezes, recebe o diagnóstico. Nos últimos meses, no entanto, a incidência de pneumonias explodiu. São cerca de três ou quatro atendimentos semanais de pacientes com um tipo incomum de pneumonia: a silenciosa. A doença causa sintomas leves e vem preocupando especialistas. “Exerço pneumologia há 16 anos e nunca vi tantos casos como agora”, diz a médica.
Voss explica que o aumento significativo no número de pacientes com pneumonia pode estar relacionado à baixa adesão à vacina contra a gripe. Apenas 32,85% do público se vacinou em Salvador, segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Qualquer pessoa acima de seis meses de idade pode se imunizar contra a Influenza (gripe) em algum dos postos de saúde da capital.
No estado, 40,45% do grupo prioritário se imunizou. A meta é atingir 90%. Fazem parte deste grupo pessoas com mais de 60 anos, crianças na faixa etária de seis meses a cinco anos, além de portadores de doenças crônicas. Em relação à população total da Bahia, 2.524.077 pessoas se vacinaram, de acordo com a Secretaria de Saúde do Estado (Sesab). O número corresponde a 17,8% da população baiana.
A pneumologista alerta que a gripe é um fator de risco para diversas doenças, especialmente em idosos e crianças. “A onda de pneumonia que estamos vendo é, muito provavelmente, reflexo da baixa adesão à vacina contra a gripe, que já vinha antes da pandemia e, depois, piorou. Qualquer resfriado é um fator de risco para a evolução do quadro de pneumologia”, detalha Larissa Voss. Boa parte dos casos atendidos em Salvador neste mês, segundo a médica, tem sido de pneumologia silenciosa.
A versão da doença não é novidade e trata-se de uma forma incomum da pneumonia. As principais diferenças entre a forma comum e a pneumologia silenciosa são os agentes causadores e os sintomas. A bactéria mais envolvida nesse quadro é a Mycoplasma pneumoniae, mas é difícil cravar se esse é o microorganismo que mais adoece pacientes em Salvador. Isso porque poucos testes moleculares são realizados nos consultórios e hospitais. Por isso, é possível que ocorra subnotificação no número de casos.
Somente entre janeiro e abril deste ano, na Bahia, 8.162 pessoas foram internadas com algum tipo de pneumonia, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde (Sesab). Em comparação com o mesmo período do ano passado, houve redução de 26,7% no número de internações. Naquele ano, foram 11.136.
“Todas as vacinas disponíveis, na rede pública ou privada, devem ser usadas de acordo com a indicação da faixa etária. A literatura é muito clara quando mostra que crianças de até cinco anos têm risco maior de ter infecção mais grave pelo vírus da Influenza, que pode levar à pneumonia“, explica a médica Edna Lúcia Souza, integrante da Comissão Científica de Pneumologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). “É importante manter o calendário vacinal atualizado, uma vez que a não vacinação expõe as crianças a complicações graves causadas pelo vírus da gripe”, completa.
A pneumonia silenciosa é mais contagiosa que a versão comum da doença. Ela é transmitida por gotículas de saliva contaminada, assim como a Covid-19. O que mais preocupa especialistas, no entanto, são os sintomas. A condição recebe o nome de “silenciosa” por conta dos sinais leves, como febre persistente e tosse seca.
A pneumonia é uma infecção que inflama os pulmões, causando tosse e dificuldade respiratória. As vacinas pneumocócicas, que protegem contra a doença, são disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para idosos e crianças.
Diagnóstico
Os sintomas mais leves da pneumonia silenciosa dificultam o diagnóstico, o que é arriscado. Se não for bem tratada por antibióticos adequados, a doença pode evoluir para casos graves e, inclusive, levar à morte. “É um quadro mais arrastado de pneumonia. Em certos casos, os pacientes apresentam só febre e dor de cabeça. Mas, quando investigamos, vemos que a saturação está baixa e o sistema imune comprometido”, explica a pneumologista Larissa Voss.
Foi o que aconteceu com a dançarina Sheila Mello, em junho deste ano. Um quadro de tosse que durou duas semanas fez ela buscar atendimento médico. A ex-integrante do grupo É o Tchan contou que o diagnóstico de pneumonia foi uma surpresa.
“Estava tranquila porque não tive febre alta, mas essa noite fiquei com muita falta de ar. Não consegui dormir e fui no hospital. Deu pneumonia. O médico falou que está uma epidemia”, fez o alerta em um vídeo publicado em seu perfil no Instagram. A atriz Camila Pitanga e a cantora Ivete Sangalo também foram internadas neste ano por complicações da doença
Mello deu entrada em um hospital particular de São Paulo, cidade onde o número de casos cresce. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) utiliza os dados do Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, em São Paulo, como exemplo do aumento. Em junho, foram realizados 167 atendimentos por pneumonia na unidade – um salto de 60% em relação ao mesmo mês do ano passado, quando foram 104 pacientes atendidos. Ondas da doença também são observadas em estados como Minas Gerais e Paraná.
O aumento de casos de pneumonia bacteriana após a pandemia da Covid-19 foi previsto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em novembro do ano passado. Na ocasião, houve um surto de crianças com a doença na China. Pouco tempo depois, Reino Unido e Estados Unidos também registraram aumento de casos. O crescimento, segundo a OMS, teria relação com o período de isolamento, em que as pessoas não desenvolveram, naturalmente, os anticorpos para lidar com as novas variantes da doença.
O pneumologista Álvaro Cruz ressalta que Salvador enfrenta um surto de infecções respiratórias. “Estamos vivendo um surto nas últimas semanas, o que é muito comum no inverno, e costuma ser relacionado a infecções virais. O vírus do resfriado pode complicar situações pré-existentes e abrir porta para infecções bacterianas, como a pneumonia”, finaliza.