Há males que vêm para o bem: a arquiteta Thalyta Figueiredo, seu namorado e um casal de amigos tiveram que desembolsar mais de R$ 3 mil em duas garrafas de vinho que pediram por engano em um jantar no último domingo (7).
A boa notícia é que o grupo teve a oportunidade de degustar um dos vinhos mais icônicos e disputados de Portugal, o Pêra-Manca.
O rótulo é produzido pela Adega Cartuxa, uma das casas mais importantes da região do Alentejo, e que faz parte da Fundação Eugénio de Almeida.
É uma velha conhecida dos brasileiros: cerca de 22% de todo o faturamento da Cartuxa vem da exportação dos vinhos portugueses para o nosso mercado. A empresa também é responsável por outros rótulos conhecidos por aqui, como o EA e o Cartuxa.
O Pêra-Manca, contudo, é o topo de gama. A própria Cartuxa o descreve como seus “vinhos de exceção”.
“É uma situação um pouco ingrata para o consumidor que não queria despender esse valor, mas ao menos não ficaram insatisfeitos com a qualidade do vinho. Só com o valor a pagar”, diz João Teixeira, diretor comercial da Adega Cartuxa.
A história do Pêra-Manca vem da Idade Média. A lenda começa com uma aparição de Nossa Senhora em Évora, por volta de 1365. O local virou ponto de peregrinação, e foi fundado ali o Convento do Espinheiro.
Os vinhedos do chamado Pêra-Manca eram propriedade dos frades do Convento. O nome vem do terreno da região de Évora, coberto de pedras soltas — ou “pedras mancas”.
“Essa história está documentada em carta de Pero Vaz de Caminha ao rei. No primeiro contato, o Pêra-Manca foi uma das oferendas. Por isso, o vinho ganhou um certo misticismo com o consumidor do Brasil”, diz Teixeira, da Cartuxa.
De volta à história, a antiga tradição do Pêra-Manca foi recuperada no século XIX, pela Casa Soares, que fez dele um vinho mais sofisticado. Com a praga da filoxera, um pulgão que devastou os vinhedos na Europa naquela época, a Casa Soares deixou de produzir o Pêra-Manca.
Só em 1987, o herdeiro da família, José António de Oliveira Soares, ofereceu o nome à Fundação Eugénio de Almeida, que passou a utilizá-lo para seu vinho de maior qualidade.
O novo Pêra-Manca
O atual Pêra-Manca é produzido desde 1990, e pode ser feito de uvas brancas ou tintas. Thalyta e seus amigos pediram o branco, da safra 2019.
Nesse caso, ele é feito de uvas selecionadas dentre as melhores produzidas pela vinícola das castas Antão Vaz e Arinto. As uvas são colhidas exclusivamente de vinhedos mais antigos (chamados entre os entendidos de “vinhas velhas”). São plantas que têm produção mais limitada, que deixam os frutos mais ricos e dão vinhos melhores.
“A Arinto tem a função de dar mais frescor, enquanto a Antão Vaz traz aroma, sabor e estrutura. É um vinho muito gastronômico, com sedosidade incrível, com notas florais e de frutas tropicais”, diz Teixeira, da Cartuxa.
Para esse resultado, o processo de vinificação é o mais cuidadoso possível, em que as uvas são retiradas dos ramos e prensadas gentilmente. Em todo o processo, as uvas são tratadas separadamente e, dali, partem para a fermentação.
Passam 12 meses em contato com as leveduras para ganhar complexidade — Arinto e parte de Antão Vaz em aço inox, e parte da Antão Vaz em carvalho francês. Por fim, são mais 12 meses de amadurecimento em garrafa. “É uma mistura de uvas e de técnicas”, explica Teixeira.
O Pêra-Manca tinto é ainda mais especial: o vinho é produzido das uvas Trincadeira e Aragonez, também de seleção rigorosíssima. Tão rigorosa que a produtora só lança novas safras do vinho quando as uvas atendem a um padrão esperado de qualidade.
Até hoje, só saíram 15 edições do Pêra-Manca tinto, a última delas da safra 2015. Mas, no fim deste ano, chega ao mercado a safra 2018.
A produção do Pêra-Manca tinto é ainda mais reduzida. Em geral, são cerca de 30 mil garrafas — nos anos em que o vinho é lançado. Para a safra 2018, porém, serão apenas 21 mil. Os preços do tinto, assim, passam dos R$ 5 mil.
“É uma produção pequena, e a demanda sempre foi muito maior que a oferta. Mas não vamos mudar a composição, nem abandonar os vinhedos específicos que produzem o Pêra-Manca”, diz Teixeira, da Cartuxa.
Assim como o branco, o tinto também usa as melhores uvas, de vinhas velhas. Passa pelo mesmo processo criterioso de vinificação, e fermenta em balseiros de carvalho francês que adicionam complexidade. Por fim, amadurece por mais 18 meses em barricas, também de carvalho francês de alta qualidade.
Segundo Teixeira, da Cartuxa, o resultado é um vinho encorpado, com aroma frutas vermelhas maduras, pimenta, especiarias e outras notas que vêm do estágio de amadurecimento em madeira. Pode ser bebido já, mas também tem potencial de ser guardado por muitos anos, como gostam os entusiastas.
“O maior elogio que eu posso fazer à safra de 2018 é que ela retoma a identidade mais pura do Pêra-Manca. A Trincadeira, que é a uva que decide se haverá o vinho naquele ano, veio no melhor estado possível, na expressão máxima”, diz Teixeira. As informações são do g1.